Capítulo 3

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- Tem certeza que você está bem? - Inverno pergunta enquanto leva Outono para casa.

Outono continua andando e olha para o espaço entre as folhas das árvores.

- Acho que sim, não sei.

- Se você quiser, posso sequestrar Primavera e a deixar em sua porta. - Inverno ri de sua própria piada, contagiando sua amiga a rir com ele.

  Inverno não é um homem muito desenvolvido, ele não gosta de muitas pessoas, as crianças se assustam com sua altura e acreditam que ele é um vampiro, os adultos o julgam por não mostrar interesse em seguir a carreira de seu pai. Ele tem três pessoas que considera de todo o coração: Primavera, Verão e, com um favoritismo quase palpável, Outono, Inverno daria sua vida por ela, quando eles chegam em frente a casa de sua amiga, pensa duas vezes antes de tirá-la de sua própria realidade.

- Está entregue, senhorita!

- Obrigada pela companhia, até outro dia, Inverninho! - Ela responde.

- Mãe? - Outono chama quando entra em casa, Inverno está indo em direção a sua casa, pensando se deve mesmo deixar Outono com seus pensamentos.

- Oi amor, você está bem? - A mãe de Outono olha para ela, sentindo que tem algo errado.

- Mãe, você já amou  alguém mais que a si mesmo? - Outono pergunta, tentando ser discreta.

- Meu amor, eu conheci seu pai durante uma época difícil, amei ele com todo meu coração, quando ele escapou, vivemos os 5 anos mais felizes do mundo, nos amávamos tanto, sentia meu coração completo de amor e sempre soube que o coração dele também estava cheio, quando você nasceu, seu pai chorou mais que você, enquanto vocês faziam pão, eu senti meu mundo totalmente cheio, e quando ele se foi, meu mundo deixou de ser cheio e se tornou um quadrado de terra sem vida, sem nada, aí você me salvou. Resumindo, sim, eu já amei alguém que a mim mesmo. - Ela responde, sem a menor dificuldade.

- Eu subi uma escada às 03:00 da manhã com um buquê na boca ouvindo e recitando Shakespeare, depois eu beijei e fui rejeitada, agora eu odeio o seu jogo de chá porque ela ama as malditas xícaras, não eu, ela queria as xícaras, não eu, ela não me ama mãe, ela não me ama. - Outono diz sentindo sua voz falhar, as lágrimas escorrerem e os joelhos baterem contra o chão de madeira.

  Outono não aguenta mais, ela se sente sozinha, a mulher que ela ama não a ama de volta, ela não deveria nem amar um “ela”, Outono não queria estar sentindo isso, mesmo assim, ela não consegue parar de sentir que é a pior pessoa do mundo.

Sua mãe não sabe o que deve fazer, ela sente a tristeza de sua filha transbordando e teme que nenhum chá possa ajudar, então ela se junta a sua filha no chão, a abraça e chora com ela. Outono não se lembrava da ultima vez que chorou tanto, muito menos que sua mãe tinha chorado de forma tão pesada, quase mórbida, talvez, quando seu pai se foi, Outono não estava em casa e nunca pode se despedir, pensando bem, ela não aguentaria tal coisa, assim como não está suportando seja lá o que exatamente está sentindo, entender seus sentimentos é um trabalho que só é bem efetuado por Inverno e Primavera, a única coisa que Outono pensa é na probabilidade de perder o contato com a segunda pessoa.

- Está falando de Maria, não é? - A mãe de Outono pergunta assim que as duas se recuperam.

- Sim, sim estou. - Outono responde, sabe que sua mãe não terá uma reação negativa ou coisa do tipo.

- Entendo, meu bem, eu sinto muito por você, sempre soube que você amava ela, essa tarde mesmo, enquanto vocês conversavam, jurei que estavam juntas, pensei que eram péssimas mentirosas! - A mãe de Outono ri.

- Não, Maria é confusa, ela age de forma confusa, eu não entendo. - Outono diz, pode sentir seus olhos marejados.

  Outono sente sua mãe a ajudando a levantar e a guiar até uma das poltronas da sala, a mesma que ela rabiscou o que era para ser uma folha seca quando era criança, marcando essa poltrona como sua, sua mãe deu um beijo em sua testa e foi para a cozinha.

- Aqui nana, de camomila e gengibre, não vai curar seu coração, mas vai apaziguar sua mente - Sua mãe diz quando volta para sala de estar, uma xícara de chá em cada mão.

- Obrigada, mãe. - Outono diz enquanto se levanta para se juntar a sua mãe no sofá, elas sentam e se acomodam olhando para pontos específicos das paredes até que Outono pegue no sono.

***

  Outono acordou no mesmo sofá que estava quando caiu no sono, o dia já se pôs e outro já apareceu, uma coberta em seus ombros e uma caixa de presente no chão. Outono a pega, desfaz o laço e descobre um pequeno urso costurado a mão, ela o abraça, pega sua coberta, sobe para seu quarto e encontra um bilhete de sua mãe preso por uma xícara do que ela acredita ser chá  verde, para dar disposição ao novo dia, Outono não o pretende tomar, mesmo assim, ela pegou o lápis de sua mesa cabeceira e escreveu um agradecimento.

    “Fui ao mercadinho comprar mais chá, estarei de volta em breve, te amo!

sua mãe.

       Obrigada, mãe”

  Outono deitou em sua cama, abraçada em seu novo presente e voltando a dormir.

- Querida, está acordada? - Sua mãe está na porta de seu quarto com um prato de bolinhos em suas mãos.

- Estou sim, a senhora precisa de alguma coisa? - Outono responde enquanto senta em sua cama.

- Preciso que você coma, espero que goste, não fui eu que fiz, mas tenho certeza que tem muito amor envolvido! - Outono pega o prato de sua mãe e começa a olhar os bolinhos.

  Sua mãe saiu do quarto e fechou a porta, Outono reconhece o formato, o cheiro e, principalmente, a farinha que foi peneirada por cima. Primavera que fez, seus clássicos bolinhos de baunilha, dependendo da situação, podem servir como bolinhos de reconciliação, Primavera está pedindo desculpas por alguma coisa.
O que isso quer dizer?

- Outono pensa enquanto come seus bolinhos, sua mãe disse que foram feitos com amor, significa que Primavera gosta de Outono?  Ou será que ela só se sentiu mal por ter a deixado na floresta noite passada? Ela pode ter se arrependido de ter correspondido seu beijo.
Preciso parar de pensar.

Ela desiste, comer seus bolinhos de baunilha é suficiente por agora. Quando termina, ela coloca o prato vazio em sua mesa e volta a dormir torcendo para que seus pensamentos estejam errados, todos eles.

Outono acorda, vai ao banheiro, olha para o reflexo no espelho, volta para seu quarto e deita em sua cama.

Ela fez dessa sua rotina, alterou entre ir a cozinha e ao banheiro, entre dormir e olhar para o teto, entre escrever poemas e riscá-los, seu chão ficou cheio de papéis amassados e ainda mais roupas.

- Querida, quer que eu chame alguém? -  A mãe de Outono pergunta, olhando para sua filha, deitada em sua cama enquanto olha para o teto.

- Não mãe, obrigada. - Outono disse enquanto virava para outro lado.

  A mãe de Outono se aproxima, chutando as coisas, abrindo caminho no chão e sentando na beira da cama.

- Meu bem, você está aí há uma semana, levante, saia desse quarto.

- Não mãe, não quero sair, obrigada.

Outono repete, ela não quer fazer nada, e sente que não pode, de qualquer forma, o máximo que ela quer fazer é tomar chá, talvez de erva cidreira ou de camomila.

- Mas quero tomar um chá, ainda temos erva cidreira?

- Sim, mas você vai ter que fazer. - A mãe dela ri e sai do quarto, torcendo para ter dado motivação suficiente para Outono sair de seu quarto.

  Outono desiste, ela não quer tanto assim esse chá, talvez mais tarde ela o faça.

Ar

Esvazio meus pulmões,
O ar que já não respiro
Escurece minha vista,
Pesa meu ombros,
Enfraquece minhas pernas,
Dopa meu cérebro.
Não sou mais nada.
Meu sangue não circula,
Não cobre o burraco no meu peito
Tão pouco aquece o frio que sinto.
Meus pensamentos me cercam,
Me separam de tudo.
Admiro as paredes enquanto elas se fecham,
Enquanto elas revelam a verdade,
Minha própria insignificância.

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