A saudade do que há
Só doerá quando houver.
Dói agora,
Mas não pela falta do que há,
Que haverá enquanto eu aqui estiver.
Dói porque aqui mora
Tudo que perdi enquanto lá.
A lembrança
Do que quase foi esquecido,
A esperança
Do que poderia ter sido,
Goteja-me agora
No sentido da chuva,
Aquela lá fora
Que já não me alcança.
Desesperançosa,
A chuva não é só pra se molhar;
Faz crescer o que a suga
E escorrer o que a impenetra;
Fez-me esperar
Pelo crescimento que madura
Cada pensamento porvir;
Pelo escorrimento que secreta
A primeira lágrima
Que imerge cada sinal do sorrir.
Mas sem, de mim, cobrar
Uma gota sequer.
A todos molha como eu
E não apenas a quem quiser.
E a chuva, em seu infinitivo,
Trouxe-me a gota saudosa
De quando meu sorriso era conjugado,
Pois chover é impessoal,
É força do intuitivo.
Intuição de força gasosa
Que chove partículas do meu eu ramificado,
Pois meu eu é conjugal:
Ramifico-me no que sou e no que era antes de ser;
Se sorrio é temporal,
Desolada se não chover;
Ramifico-me em risos e secas
E o que serei
Escorre-me, água que sobra.
Se sorri, não sorrio e não sorrirei;
A saudade me goteja;
Minha chuva, hoje, é lágrima,
É a gota que me alcança, a única que, de mim, cobra
E apenas essa.