partes de você em mim são um efeito colateral | único.

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nós seres humanos somos suscetíveis a esse hábito de chorar por tudo. pelo bom e pelo ruim, pelo doloroso e pelo que cura... eu mesmo me decreto sempre um daqueles que choram sem parar por coisas que às vezes não deveriam ser choradas, porém talvez seja assim que se aproveita a vida. o que seria da raça humana se não existisse nenhuma emoção que nos atingisse como um soco e fizesse nossos olhos lacrimejarem instantaneamente? faz bem derramar uma lágrima ou outra — ou ao menos me fez, pois já nasci chorando e choro desde então. talvez o mar inteiro nem se compare ao tanto de água que entra e sai de mim.

você me conhece, killua, sabe que sou todo feito das mais diversas superstições. é por isso que agora estou aqui, sentado debaixo de nossa árvore segurando as nossas flores. a ilha da baleia antes era apenas minha, mas assim que você pisou aqui ela te acolheu tal qual meu coração fez assim que conheci você, garoto destemido andando como se fosse o dono do mundo pelos corredores daquele teste inumano. talvez além de chorar demais eu seja piegas demais e te adore como você me conta que virginia amou vita naquelas nossas chamadas durante a noite toda, metafisicamente próximos pelo milagre revolucionário tecnológico; quantas noites vimos irem embora e quantos sóis saudamos nesses sete meses? digo que os astros se mordem com inveja de nós dois e você ri como se eu tivesse feito uma piada, mas é verdade. se não fosse, me explique por que o sol e a lua estão juntos num céu de tarde esperando que você chegue finalmente junto comigo.

foi um tempo esquisito, esse. você estava onde quer que estivesse com alluka e eu aqui, lendo tantas fórmulas matemáticas que quis encontrar uma que me dissesse como calcular o tempo que faltava para você estar em meus braços outra vez sem saber distância ou velocidade; eu queria quebrar a física em pedacinhos e te encontrar em algum dos cacos do espelho, te fazer tridimensional e velejar ao suave ir e vir das ondas alvas de seu cabelo. lembra quando disse que minhas mãos morenas eram a madeira do barco e seu cabelo branco era a espuma do mar? olhando agora o tapete imaculado infinito que é o oceano não sinto metade da emoção que sentiria em ver-te, e sei que vou. aguardo numa expectativa que não posso contar em palavras; o jeito mesmo é demonstrar de perto, pertinho. eu sempre fui do calor humano.

killua, assim que você chegar na ilha da baleia saberei no exato instante. nós estamos conectados pela terra e pelos corações, somos dois fundidos em um; pode vir a ser um problema o quanto de você há em mim e quanto de mim há em você, entretanto esse é o efeito colateral desse conjunto de elementos químicos que fazem a ocitocina. basta que pise nessa terra — essa que abriga sua casa, como você mesmo falou — e algo em mim irá gritar mais alto que todos os pescadores, anunciar mais alto que os feirantes, cantar com mais vontade do que todas as famílias juntas; você pulsa em meu peito como se fosse um eterno carnaval disfarçado de feriado religioso. todos dizem que você é intocável, mas sua alma está tão exposta quando olho em seus olhos análogos à cor do céu diurno aquarelado que me pergunto: não houve ninguém para te ver esse tempo todo?

antes mesmo que esteja aqui me afundo em você e antecipo como criança o encurtamento das léguas que nos separam, brincando de bem-me-quer sabendo docemente que você, meu bem, sempre me quererá.

✧ SETE MIL LÉGUAS, killugon.Onde histórias criam vida. Descubra agora