Amor sem fim

Capítulo Único

Meus pés protegidos por calçados próprios para o frio subiam os longos degraus da escada que levaria ao castelo Gute Nacht. Era um castelo edificado há mais de um milênio para abrigar a renomada família dos Glücklich, considerada na época como a mais próspera família daquele nobre país, estendendo seu reinado por dezenas e dezenas de gerações até que uma terrível epidemia se assolou pela terra, dizimando milhares de pessoas, inclusive os membros da família dos Glücklich. O castelo fora totalmente erguido por pedras, o que lhe trazia exótico resplendor através da arquitetura rústica, fortificada pelas pedras precisamente sobrepostas, encaixadas com tal precisão a deixar grandes mestres da engenharia deslumbrados com a magnificência da distinta e singular obra.

A neve caía. O frio vinha acompanhado por um rígido inverno com as temperaturas oscilando entre -20ºC a -25ºC. A baixa temperatura ali se fazia por costume em todos os dias do ano, tão comum quanto ao sol do meu distante país de origem. Por um momento pensei que do outro lado do hemisfério os termômetros subiam impiedosamente aos 38ºC a mais e fora assim que eu deixara meu país há exatos 3 dias. Dias de viagem, com voos atrasados por conta da nevasca, para finalmente desembarcar no aeroporto e assim seguir por mais de 200Km de trem para chegar ao meu sonhado destino. Todos os vinte visitantes que se recolheriam no Gute Nacht estavam ansiosos em conhecer o castelo. Para meu primo Angelus, tudo era novidade, até porque era a primeira vez que ele viajava para o exterior; era a primeira vez que ele via a neve, seria a primeira vez , assim como eu, que ele conheceria um castelo medieval.

Realizei uma ampla pesquisa sobre os principais pontos turísticos da excursão e de imediato me atraí pelo Nacht; era a história, o construto medieval de pedra,o significado do castelo e principalmente as lendas que o cercavam. Para alguém como eu, de comum e pleno acordo com a cultura gótica, nada melhor que um bom e velho castelo rodeado por histórias de bruxarias, feitiçarias e vampiros.

Ajeitei meu casaco sobre a cabeça, esfregando as mãos com as grossas luvas escuras enquanto ante meus olhos o intenso branco da neve ia surgindo a cada degrau que eu alcançava.

Já no topo, conquistando o último degrau, procurei controlar minha respiração já que minha bronquite viera de encontro ao tempo gélido. Alguns espirros e um bom lenço em mãos se fazia necessário para amparar minha "incontinência" respiratória. Minha maleta com incontáveis tipos de remédios fora o primeiro item que eu providenciara para a viagem. Era um hábito que eu aprendera desde meus tempos de infância já que desde minha tenra idade, aprendi junto aos cuidados da minha mãe a preparar meu longo acervo de medicamentos toda vez em que eu saía de casa. O fato é que com o passar do tempo adquiri as mesmas paranóias hipocondríacas da minha estimada mãe que sempre em zeloso cuidado se punha a policiar cada manifestação atípica do meu organismo. Um espirro e lá vinha ela, com o xarope em mãos, mesmo não sabendo se o motivo do espirro fosse um simples ato de espirrar ou alguma manifestação alérgica, ou minha bronquite sendo atacada ou mais algumas dezenas de motivos que levam um mero mortal a expelir o jato pelas narinas.

À noite anterior à minha partida, senti o que chamo de "meus pormenores": tive febre, fortes dores pelo corpo, excessiva sonolência, pigarro e tosse, muita tosse. Porém, tudo omiti. Meus pais, como em inúmeras vezes em que eu saía de viagem, faziam questão de me acompanhar ao aeroporto, o que me obrigou a tentar ao máximo esconder meu mal estar.

O burburinho da turma aumentaria diante a passagem do primeiro gigantesco portão de madeira que servia para proteger a principal entrada do castelo. Eram vozes que se misturavam junto a exclamações e interjeições de espanto e excitação, já que a poucos metros finalmente nos encontraríamos no interior do castelo que permitia visitações apenas no severo inverno, talvez pela concepção dada ao castelo de ser um lugar estritamente misterioso e enigmático o que a meu ver, fazia jus à completa descrição do Nacht.