≡ 29. Lua

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Uma, duas, três...

Seus olhos passavam calmamente por cada estrela, contando a presença de todas as suas companheiras de longa data. Maravilhava-se pelas constelações que encontrava pelo caminho, pois sentia-se alegre de pelo menos, entre eles, alguém conseguir manter-se junto de sua família.

Os pés balançavam suavemente, suspensos no ar por estar sentado sobre o parapeito do terraço, e a lua o encarava intrigada. Por que aquele filho dizia admirar as luzes de seu céu se estava mirando o chão abaixo de si?

A resposta de sua questão veio imediatamente ao seguir aquele olhar nublado, que nem chover conseguia mais. Ali estava seu filho perdido. Aquela estrela brilhante, que fazia falta a presença sob seu manto escuro, se encontrava caída e apagada.

Naquele momento, a mãe tão carinhosa e zelosa pelos seus sentiu dor. Não havia presenciado o momento da queda por estar em processo de transformação. Tinha o negligenciado quando mais necessitou de seu abrigo, de seu lugar seguro. Como poderia perdoar-se por isso?

Notou a movimentação das nuvens pesadas acima daquele edifício e se atentou àquela criança que lutava bravamente por tratar de brilhar. Os pés suspensos se firmaram sobre o parapeito de concreto, elevando o corpo há tanto tempo apagado como costumava fazer em todos os seus encontros.

A mãe de prata tentava chamar sua atenção, atrair seus olhos, para ensinar a pequena estrelinha o que deveria fazer para conseguir brilhar novamente. Mas... nada. Seu olhar permanecia fixo naquele filho caído.

O desespero lhe corroeu. Sua criança estava gritando desesperadamente por socorro e nada que se encontrava ao seu alcance parecia capaz de alcançá-la. Sentia a noite escorrendo por entre os dedos do Tempo, aproximando-se de seu fim, mas não podia abandonar seu filho, mais uma vez, quando mais necessitava de seu abrigo, de seu lugar seguro.

Mesmo que inspirasse as mais belas canções, as mais belas poesias e as mais belas artes; mesmo que atraísse a admiração de todos que a observassem, mesmo assim, a mãe não possuía seu próprio brilho. Mantinha-se luminosa por causa daquele astro que, apesar de caloroso, não cuidava dos seus.

Não podia deixar-se entregar ao Tempo, não podia permitir ser substituída por seu oposto que nem se preocupava se ofuscava suas estrelinhas. Não podia deixar outro filho cair.

Enquanto lutava contra seu destino, acompanhava preocupada o desfecho daquela história. A batalha travada pela criança apagada pareceu ter um resultado, um campeão.

Se pudesse, sorriria de alívio quando teve aqueles olhos nublados voltados em sua direção.

Ele estava chovendo. Tanto tempo em companhia deste filho, nunca havia presenciado-o assim. Para sua surpresa, não era uma tempestade, mas, uma garoa suave, que banhava a pálida pele maltratada e negligenciada com tanto carinho da forma que sempre deveria ter sido tratada.

As nuvens pesadas se afastaram, mostrando, finalmente, aquele brilho que por tanto havia se mantido escondido e trancafiado na escuridão. A mãe se encheu de esperanças. Sua criança estava voltando.

Os lábios grossos e rachados, úmidos pela chuva recente, se abriram ao murmurarem algo para si. Amaldiçoava a distância que sempre estava de seus filhos, pois não conseguia ouvir as palavras roucas e quebradas que saíam de sua garganta seca e machucada.

Mas, isso não iria impedí-la de saber o que ele havia lhe contado.

Forçando-se contra a aurora que se aproximava, não importou-se com as consequências de suas ações quando cobriu o astro rei que surgiu no horizonte. Não se ajoelharia perante ao monarca egoísta. Suas crianças eram mais importantes.

Com calma, mesmo que seu falso brilho lutasse enfraquecido contra o forte e real de seu oposto, dedicou todo aquele instante para ler o sussurro do filho.

Naquele momento, a mãe tão carinhosa e zelosa pelos seus sentiu culpa.

Cansada de manter aquela briga, apenas se entregou ao Tempo, sendo enviada para o outro lado, distante de seus filhos caídos e apagados.

As noites foram passando e a mãe seguia voltando ao mesmo local, desejando ter a visão de suas crianças juntas em cima do parapeito do terraço daquele edifício abandonado, seguras sob seu manto frio e escuro.

Porém, tudo que encontrava era apenas duas estrelas cadentes.

A mãe de prata não aguentava mais presenciar aquela cena e se escondia do mundo, abandonando seu falso brilho e se abrigando na densa escuridão.

Suas crianças estavam perdidas para sempre.

I tell the stars | ChanglixOnde histórias criam vida. Descubra agora