O Eternador e Rafael

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Piiiiiiiiiiii...

As lágrimas rolaram dos olhos de Rafael, a única pessoa da família que aceitou ele ser um homem trans acabou de morrer.

Sua avó era a pessoa mais doce do mundo – ela tinha seus defeitos, claro – e não merecia o que o câncer fez com sua saúde.

A mãe dele tomou a frente das preparações do velório, ignorando que a senhora era da umbanda e simplesmente fazendo um enterro evangélico.

No cemitério, o pastor fez discursos sobre como o "pecado LGBT" trazia castigo para a família e todas as pessoas que concordaram – praticamente toda a família – o olharam feio.

O rapaz não pôde nem mesmo ficar para ver o caixão ser posto no túmulo porque não estava aguentando os cochichos e sussurros de canto.

Voltando mais tarde, já altas horas da noite, ele estava se direcionando ao local onde a senhora foi enterrada quando foi parado pelo coveiro.

— Se eu fosse você não ficaria aqui de noite sem um santo protetor, rapaz.

— Eu só estava indo ver minha avó.

— Seja breve.

De acordo com que se aproximava dos túmulos, um sussurro arrepiante e um frio estranho foram adentrando até fazerem os ossos de Rafael vibrarem em sintonia.

Todo arrepiado e com medo do ambiente – um local com terra batida, grama crescendo aleatoriamente em alguns túmulos, locais em que gente rica foi enterrada com enfeites de santos de tamanho exagerado para algo que não é uma igreja e aquela subida... Ah, aquela subida infernal até o topo do morro lotado de lápides mais humildes –, Rafael, a todo momento queria desistir e voltar para casa.

Ele lembrou que uns dias atrás tinha visto notícias da cidade que naquele cemitério tem construção de uma igreja subterrânea, o cemitério surgiu depois quando o local perto do morro foi aterrado por desuso. A terra que removeram do rio da região para abrir espaço e diminuir as enchentes foi toda depositada ali, sumindo com a antiga igreja.

Só depois de lembrar-se de toda especulação absurda que já ouviu sobre o local, ele chegou ao túmulo da avó.

— Olá, vó. Desculpa não ter estado no fim do seu enterro. É que estava muito desconfortável.

Silêncio. Ou quase isso, os sussurros de gelar a espinha ficaram mais altos.

— Esse lugar está me dando arrepios, mas eu queria te ver. Já estou com saudades.

— Bu!

Rafael deu um sobressalto, ficou mais gelado que picolé e logo levou a mão no coração, que estava disparado e doendo. Ele olhou para onde veio o som e nada.

O medo o dominou, então começou a correr dali. Risadas guturais sairam dos túmulos e a visão do rapaz escureceu.

— Trouxemos uma oferenda, grande Eternador. - Uma voz próxima, mas que parecia tão distante soou nos ouvidos de Rafael.

— Os fantasmas acabaram com ele, não podemos ficar com todo mérito. Sabemos que não gosta de mentiras.

— Saiam e me deixem a sós com ele. - Essa era uma voz forte duplicada e que parecia vir do vazio.

— Sim, senhor!

O local ficou em silêncio. Rafael, meio desacordado ainda, estava tentando entender o que estava acontecendo.

Sentiu alguém ou algo se aproximando. Quanto mais perto, mais gelado ficava.

Por algum motivo, esse gelado não era desconfortável como o rapaz sempre sentiu sobre qualquer coisa assim. Era um conforto fresco, como um milkshake em dia de quarenta graus Celsius.

O EternadorOnde histórias criam vida. Descubra agora