CAPÍTULO ÚNICO

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                                               NOITE INSANA

Capítulo Único

Trabalhava em um estabelecimento comercial muito badalado, na Vila Madalena em São Paulo. Um bar praticamente. Sempre lotado por gente bonita e bem-disposta a deixar boa parte de seus proventos salariais na gaveta da caixa registradora, principalmente naquela sexta-feira há noite. O bar já registrara uma boa afluência de público para o happy hour, mas das 20,00 horas até as 3,00 horas da madrugada do dia seguinte era um tal vaivém de gente, um empurra-empurra danado para alcançar o balcão lustroso e nele se debruçar no aguardo que uma sofisticada bebida fosse servida para ser avidamente consumida. Do outro lado do balcão, eu, adequadamente trajado para a função, agitando e servindo de forma acrobática os cocktails solicitados, sempre atento para não esquecer aqueles detalhes que deixavam a bebida personalizada ao gosto e ao desejo do cliente.

Sim, naquele local eu era o barman mais requisitado do momento. À velocidade supersônica passava de um lado ao outro do balcão, sem transcurar ninguém, sem que alguém chamasse pelo meu nome duas vezes seguidas. Aquele tal de "Figaro" era nada em comparação. Patinava sobre o estrado de madeira que me conferia em altura 10 centímetros a mais do que era, para melhor governar aquela turba sedenta pronta para arrefecer a garganta deixada em brasas pela atividade da semana toda.

Homens e mulheres, jovens e menos jovens se acalcavam no local abafando com o próprio vozear a música de um experto DJ encantador de serpentes que deixava aqueles delgados corpos femininos, já quase ébrios, se contorcerem sensualmente.

Era só alegria e despreocupação relegando porta afora o depois, interessados somente ao agora.

Mas não para mim.

Cheguei à sexta-feira já esgotado pelo intenso trabalho da semana toda e com uma insuportável dor de cabeça que martelava as minhas têmporas escurecendo a vista. Contudo precisava manter o sorriso e externar o prazer da vida. Uma máscara para não preocupar o gerente, o dono do local, a clientela toda e acima de tudo para me garantir as gorjetas da noite.

Finalmente as minhas súplicas foram ouvidas e a porta de aço desceu estrondosa a finalizar aquela torturante noite de balburdia deixando estrada a fio os últimos clientes que daquele local faziam a própria residência.

Não via a hora de voltar para casa. Morava muito longe, na zona sul, quase 50 quilômetros daquele local; tão longe que precisava de três meios de transporte para chegar lá. Viajava de metrô até fazer baldeação na estação de trem, que fazendo um percurso sinuoso e quilométrico terminava a sua corrida em uma acanhada estação terminal, estacionando por ter completado o horário de funcionamento. Garanto, cheguei bem shakerado. Aqui percorrido a pé um bom trecho de rua deserta e mal iluminada, aguardava no ponto do ônibus que a linha 1010 bis iniciasse o seu turno de trabalho. Eram já às 4,50 h de uma manhã, fria e escura a tratos iluminada apenas por uma esplendida lua cheia.

A minha dor de cabeça não me abandonava. Retumbava com tamanha violência que as vezes me obrigava a dobrar o corpo para ter um pouco de alivio. Inutilmente.

Com as luzes apagadas, ao seu interno, o ônibus chegou preguiçosamente silencioso ao ponto e lesto adentrei. Estava vazio, tinha todos os lugares a minha disposição e acabei utilizando o ultimo assento perto da janela e lá acochado, cabeça apoiada ao vidro aguardei o início da corrida. Cochilei.

Acordei com a freada do veículo, relativamente acentuada e reconhecendo na escuridão as silhuetas das residências me apressei a descer. A dor de cabeça persistia e intensa escurecia ainda mais a minha vista. Adverti certa náusea e com um regurgito, apoiando-me à parede, vomitei. Decerto alguma coisa que comi horas antes provocara aquele tremendo mal-estar. Minutos depois, mesmo com um gosto amargo na boca, percebi uma leve melhora.

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