02 - Maria.

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8 anos no tráfico, 8 anos que eu comando a favela do meu pai, nunca foi uma escolha fácil, eu encaro a realidade todos os dias. No meu aniversário de 18 anos meu pai foi preso, ele me deu minha festa dos sonhos, mas a data se tornou meu pior pesadelo.

Sempre tive tudo que eu quero, nasci e cresci dentro da favela, sempre gostei de portar também, gosto pra caralho do poder, meu pai é dessa vida desde que eu me entendo por gente, meu avô também era, meu tio seguiu outro caminho, eu sou a única neta que seguiu esse, minha mãe nunca me aceitou nessa vida, quando a gestão veio me falar que meu pai queria que eu assumisse, que somente em mim que ele confiava, eu aceitei de cara, foi sempre isso, sempre quis administrar os negócios, sempre me encheu os olhos.

Eu já era meio envolvida indiretamente, na primeira vez que troquei tiro foi a maior adrenalina da minha vida, é aquele lance, ninguém quer correr perigo, achei que ia morrer, foi foda, mas tô aqui, meu pai só olhou pra mim e disse: É Maria, tu quer viver essa vida mesmo né? Te criei pra isso não hein..

Mas na verdade, ele criou sim, desde nova que ele me ensina o certo e o errado, "Maria, conta essa porra direito, isso tá errado!" ele dizia, as vezes, tirando uma nota ou outra pra me testar, pra ver se eu tava ligada, meu pai me ensinou tudo sobre o dinheiro, tudo sobre o crime perfeito.

Hoje ele tá lá dentro, o contato é pouco, mas daqui de fora tá tudo fluindo, com disposição e atitude tudo funciona, eu honro o nome do meu pai aonde eu vou, geral sabe, que a filha do Márcio tá fazendo a melhor gestão.

Dia de baile é sempre aquela correria, salão lotado, menorzada atrás de roupa nova e eu daqui, só palmeando, contando o dinheiro, mandando subir mais gelo, organizando o melhor baile do Rio de Janeiro.

- Tua mãe tá aí, chefinha! - Alex, meu frente e um dos meus seguranças falou, boto a pistola na cintura e jogo meu copo de whisky fora, se não ela fala pra caralho

Vejo ela se aproximar da mesa que eu tô, sempre séria, minha mãe nunca mais foi a mesma comigo depois que eu assumi o lugar do meu pai, eu entendo ela, filha única, toda errada, é foda de aceitar.

- Falou com o teu pai essa semana, Maria? - ela pergunta sentando na cadeira na minha frente

- Falei..pouco mas falei, tá meio corrida as coisas lá! - ela me olha meio desconfiada

- A advogada me falou que ele vai ser transferido! - nego com a cabeça

- Vai não, mãe! Nós já tá correndo atrás disso aí já, do rio ele não sai - apoio a cabeça no braço e coço a testa - Fica tranquila! - ela fecha a cara e nega com a cabeça, eu começo a preparar meu psicológico pra escutar

- E quem tá visitando ele lá? Fiquei sabendo que uma menina da tua idade que fez carteirinha, é sério isso aí? - solto uma risada e nego com a cabeça, minha mãe é doidona

- Tu não quer o cara mas também não larga o osso né? Tem menina nenhuma não po, fofoca isso aí! - minto desviando o olhar do dela, ela me conhece.

- Deixa de ser mentirosa, como pode, mente igual o pai, oh raça ruim! - levanta meio bolada - Ah, mas deixa ele, ele vai ligar e quando ele ligar, ele vai escutar o que merece! - saiu falando pra caralho

Eu fui fruto de um lance, um lance que minha mãe e meu pai tiveram, eles nunca estiveram juntos de fato, até tentaram por minha causa, mas não deu muito certo, meu pai foi viver na putaria e minha mãe a vida dela, de tanta putaria, eu até hoje não sei se meu pai fez outros filhos por ai, por aqui eu sou a única, mas não sei não.

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