#1 - Recomeço

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Sempre gostei de viagens de carro. O som alto, o vento infestando o carro, o asfalto liso da estrada —Deus, como eu amo o asfalto liso —, e principalmente, as conversas e brincadeiras bestas que os meus pais inventavam para passar o tempo logo. Quando criança, meu pai viajava muito à trabalho, minha mãe precisou largar o emprego na clínica veterinária que ela construiu com tanto sacrifício, partiu o seu coração, mudávamos de cidade duas vezes por ano às vezes. Eu não ligava muito, já que nunca tive uma vida social muito popular nos lugares. Não conseguia me comunicar direito com as crianças da minha idade, não que eu fosse tímida ou antissocial, muito pelo contrário, até os meus 14 anos era conhecida por ser a miss simpatia com todos, e eu gostava do público, só não conseguia manter contato com ninguém por mais de 3 meses.

Minha mãe e eu ficávamos em casa sozinhas a maioria do tempo enquanto o meu pai trabalhava, ele era um engenheiro civil, e um dos bons. Adorava o trabalho. Em seu tempo de reuniões e projetos, acabou aprendendo bastante sobre outras áreas, ele amava construir, em alguns dias chegava em casa empolgado mostrando a planta de várias casas que gostaria de construir para a nossa família, tendo direto até a um quintal bem grande e amplo para o meu observatório. Eu amava as estrelas e a amplitude do universo, no meu aniversário de 10 anos, ganhei um telescópio de presente, minha mãe sempre me incentivou a fazer o que o meu coração mandava, independentemente se eu ganhasse muito ou nada. Quando tentava explicar para ela sobre astronomia, ela comentava sobre o seu horóscopo do dia. Me custou muitos dias até ela entender que eu falava de física, e não sobre signos e ascendentes. E era assim que passávamos a nossa tarde juntas, conversando, cozinhando empanadas, ela me ajudando no meu dever de biologia e saindo às vezes para conhecer as cidades que passávamos. Amava a nossa rotina comum. E já estava acostumada com a ideia de ficar trocando de lugares ao longo do tempo, fazia com que eu não me apegasse a ninguém, não precisava de mais nada além dos meus pais ao meu lado.

Um dia o meu pai recebeu uma proposta de emprego em Connecticut, era um trabalho fixo e com um ótimo salário, ele e seu sócio —que é também seu melhor amigo, Mark—, iriam abrir uma empresa de construção independente, algo que sempre sonhavam em fazer, mas nunca achariam que haveria de fato uma possibilidade disso acontecer. Ironia do destino, ou não, Gravesfield foi a primeira cidade que meus pais moraram após chegarem da República Dominicana, eu fui criada nessa cidade, e foi ela a escolhida para eles começarem o seu negócio juntos. No começo parecia mentira, depois de tanto tempo sonhando, finalmente poderíamos colocar em prática as casas que meu pai nos prometia. Ficamos muito animados com a ideia, combinamos até de adotar um cachorro quando chegássemos lá, começamos a mudança e em menos de duas semanas já estávamos na estrada novamente, esperançosamente pela última vez. Mantemo-nos lá por muito tempo, em pouco mais de um ano, havia feito vários amigos e até conhecido alguém especial, meu pai começou a construção da nossa casa, e depois de muito tempo, eu me sentia completa... Tudo estava indo muito bem.

Até que não ficou.

Após 4 meses organizando as coisas, eu e minha tia Eda estávamos finalmente prontas para ir embora. Digo, não estava exatamente pronta, acho isso meio impossível, mas Edalyn foi extremamente solícita depois da morte de seu irmão e sua cunhada, ela tentava manter um astral tranquilo e divertido enquanto eu superava a recente perda. Estava feliz por ter ela como madrinha uma hora dessas, não havíamos tido muito contato antes do acidente. Ela morava em Boiling Isles, e eu... bem, não me lembro ao certo em qual cidade estava na época. Mas agora faltavam apenas algumas horas para morarmos juntas. Diferente do passado, a viagem com a minha tia foi agoniante, consigo contar em uma mão os minutos em que obtive silêncio naquele carro. Ela têm uma personalidade bem distinta, e um gosto musical que me agradou nos primeiros 15 minutos, mas queimavam meus ouvidos após duas horas ou mais. Tentava manter minha cabeça na linha, fiquei meses me recuperando de uma depressão pós trauma, e Eda não demonstrou em momento algum, qualquer sentimento que poderia me preocupar ou fazer chorar mais, porém ela também estava sofrendo, e eu sabia disso, afinal era a sua família. Então tentei ficar feliz por alguns momentos como forma de recompensá-la por me apoiar naquele momento. Confesso que não foi fácil fazer isso na ida à Boiling Isles, era a primeira vez que viajava depois de chegar em Gravesfield com os meus pais, e agora já não era a mesma coisa, mas tudo estava bem. Afinal, eu sempre gostei de viagens de carro.

The Space Between Us - LumityOnde histórias criam vida. Descubra agora