Era uma noite sem lua e mais sombria do que o normal. Era quase impossível ver qualquer coisa sem meus olhos aguçados, vi quando dois homens se aproximaram caminhando pela estrada.
Eu observava tudo como o espectador indesejado que sempre fui. Afinal, ser um corvo dá a você uma excelente vista para cenas humanas lamentáveis.
À frente, estava um rapaz com longos cabelos que se moviam a cada passo; logo atrás, outro homem, mais velho e aparentemente mais cansado. Ele enxugava o suor de sua testa franzida com a manga de seu pesado agasalho.
O velho não aguentou o ritmo do cabeludo e acabou se sentando à beira da estrada. Estava frio, e eu me mantinha quentinho com minhas plumas. O velho, além de estar suado até a última gota, tremia como se estivesse num terremoto. Ele alisava sua longa barba com a mão; achei que estava me olhando, mas só contemplava as copas das árvores para parecer dramático.
Foi aí que o Cabeludo o chamou e olhou para o relógio em seu pulso como um coelho apressado, dizendo que estavam atrasados para algo. Sem resposta do velho suado, ele se aproximou e colocou as mãos em seu ombro, dizendo:
— No seu tempo, John... no seu tempo...
O velho John parecia mal, e eu achei que sua sorte tinha mudado quando uma luz se aproximou. O cabeludo ainda sem nome estendeu a mão levantando o polegar, mas o carro passou por eles, fazendo-o soltar um belo xingamento.
O carro parou alguns metros à frente. — Por que ele parou tão longe!? — Exclamou o cachinhos.
John levantou os ombros brevemente. — Vai lá ver, estou logo atrás. — Foi o que ele disse, e eu achando que ele era mudo...
O sem nome já estava perto do carro, mas longe da minha vista; só o ouvi gritando para John que estava vazio, confuso assim como o velho, deduzi ser o carro. Enquanto observava John se levantar, um vulto veloz o segurou e vi respingar sangue pelo chão (ou suor, não sei, estava escuro), e o arrastou para a floresta bem abaixo de mim.
Lamentável a situação, eu sei, pobre John. Confesso que já estava ficando entediado, mas isso mudaria naquela noite.
O cabeludo se aproximou de onde John estava, tirou seu gorro e coçou a cabeça. — John? — Ele sussurrou baixinho.
Ele olhou para a bolsa que estava no chão e pegou uma lanterna; ele a ligou com uns leves tapas e viu muito sangue no chão. Sua grande ideia foi vir na minha direção (por que os humanos sempre vão pelos caminhos que devem ser evitados? Nunca saberei). Quando ele se aproximou do meu pinheiro, o vulto de antes tinha desaparecido, e só havia mais sangue, bem mais do que aquele dia que a garota do parque quis roubar minha pipoca.
O rapaz estava parado, possivelmente em choque, quando espreitando atrás dele estava uma criatura alta e esguia. Eu nunca tinha visto esse espécime, então não pude identificar. Tentei grasnar como um corvo, mas isso não é meu forte, e o rapaz olhou para cima em vez de para trás.
A criatura mordeu-o no pescoço, eu fechei um pouquinho os olhos. Quando abri, não era mais um monstro que estava lá, e sim um homem que limpava sua boca de sangue com um lenço. Aquilo não era humano, sei disso, pois arrancou a perna do John com as próprias mãos e a embrulhou em um pano.
Aquela coisa olhou para mim, com olhos brilhantes como os meus. Desviei o olhar e tentei grasnar novamente para disfarçar, mas parei quando ele saiu assoviando estridentemente. Ele caminhou tranquilamente até o carro, guardou o embrulho no banco, deu partida e foi em direção à cidade.
Eu queria voltar para casa, mas presumi que Summering ficaria um pouco mais interessante agora.
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Tracker of Mysteries
FantasyQuando me mudei para Summering, no Oregon, não esperava uma reviravolta tão grande em minha vida. Tudo parecia seguir o curso normal de uma mudança: uma nova escola, uma nova cidade. No entanto, o que encontrei foi muito além do que poderia imaginar...