SUSSURRO DESCUIDADO

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A sensação de estar rodeado por porcelanato é sempre igual, não importa se está em uma reunião de negócios ou na fila do banco, a atmosfera se torna tão sólida que o tempo parece passar mais devagar.

Tão devagar que é impossível contar sua passagem.

O único relógio da sala alugada para reuniões está parado, mesmo com a escuridão lá fora indicando que é noite, dentro da sala sempre será 9:45 da manhã.

Os botões da blusa de Soraya, minha secretária, me parecem mais interessantes do que seu discurso pronto. Todos sabemos o quanto a funerária não está rendendo mas aquela reunião poderia se limitar a um email ou mensagem de Whatssap.

Burocratas. Sempre dando voltas para te roubar o bem mais precioso desses dias líquidos, o tempo.

Todos os presentes naquela sala tentam controlar o impulso de pegar o celular no bolso da calça a cada vez que ele vibra porém é melhor ouvir a ladainha ensaiada do que um sermão que prolongaria o enfado.

Mantenho os olhos fixos nos botões de madrepérola sem ouvir uma palavra de Soraya.

A reunião finalmente acaba, todos têm pressa para organizar sua saída daquela obrigação desnecessária. Minhas mãos correm ao cós da calça automaticamente mas as chaves do uno não estão mais lá.

Até o dinheiro da venda do meu antigo carro já fora gasto mas ainda procuro as chaves sempre que engatilho meu corpo em direção a rua, como um reflexo fantasma.

As luzes fluorescentes da salinha impessoal se apagam, a secretária fecha a porta atrás de nós e seguimos para nossas casas.

Cada célula de meu corpo anseia pelo desfecho de mais um dia. Pé ante pé, foco em cada fase do caminho para que o processo se torne o mais curto possível.

O linha 703 vira a esquina e já começo a sentir a  satisfação de voltar num ônibus vazio. Meu ritual de relaxamento começa ainda a caminho de casa. Escolher o acento ao lado da janela, Jhonny Cash nos meus fones e vento frio na minha cara.

Nao sou do tipo que cochila nos coletivos, o percurso é sempre o mesmo mas a cada dia uma novidade, um bêbado dançarino, resquícios de acidente automobilístico de horas atrás, prostitutas seminuas na beira da avenida...

A essa hora não há mais o engarrafamento estúpido dos horários de pico, as lojas, armazéns e bares já estão fechados.

O trânsito flui, o ônibus desliza no asfalto enquanto formo frases com as iniciais das placas dos poucos carros que circulam.

"OXV" significa "O xerife valente", "NCG" é "Nada contra gays", "SXV" com toda certeza significa "sexo violento".

Formo essa última frase enquanto Cash canta "you are my sunshine..." E se torna impossível não pensar nela. Uma sinfonia de estímulos bem calculada pelos deuses do amor, meu peito é invadido por uma sensação macia, meu estômago se contrai.

Mas mesmo que a música não tocasse, mesmo que o a palavra sexo associada a violência não surgisse em minha mente, mesmo que tudo ao meu redor não me fizesse lembra-la, ainda assim meus pensamentos se resumiriam a ela.

Ela, quem me espera todos os dias em casa pacientemente como se todos os relógios do mundo houvessem parado e nos dessem a eternidade.

Perdido em meus pensamentos quase não me lembro de puxar o fio para que o ônibus pare em meu ponto de descida.

O bairro da periferia em que moro me obrigaria a tirar os fones e guardar meu telefone para que a caminhada entre o ponto de ônibus e minha casa não se tornasse mais perigosa do que é.

Mas agora está tocando Careless whisper.

Não somente Careless whisper mas uma versão melhorada, com acordes leves e ritmo lento. Um gênero que chamam de lofi beat.

É a nossa música, sempre foi, mesmo que a letra não nos diga respeito aquela batida é a trilha sonora de nosso romance.

Sempre que toca me lembro de como a tirei para dançar, vencendo minha timidez, torcendo para não tropeçar ou pisar em seus delicados pés. Fazendo um esforço enorme para não perder o tempo da música. Seu vestido leve e florido balançando a cada vez que nós giravamos ao som da música.

Nostálgico e emocionado, cada passo em direção a minha casa faz o coração acelerar, meu sangue ferve e sinto um borbulhar eufórico no abdômen.

Enfim giro a chave na fechadura e em meio a minha sala escura, inspiro todo o ar que me é possível até sentir o gosto de morfo no céu da boca.

Meu corpo queima com a ânsia de me afogar em todos os lábios que minha mulher possui, abro a porta do quarto e despejo sobre a mesa de cabeceira todos os meus pertences, chave, carteira, óculos, relógio.

Sob a  luz fraca do abajur de mercúrio que imprime numa escala muito maior os contornos de meu corpo sobre a parede oposta, desnudo-me em frente ao espelho.

Observo meu corpo nu e acaricio meus testículos cheios de esperma, roçando de leve os dedos por uma camada fina de pêlos que cresce em minhas virilhas.

Com cuidado abro a porta do guarda-roupas e instantâneamente meu olfato é assaltado pelo aroma pútrido de vômito e outros dejetos. O semáforo de meu coração se abre, deixando fluir livremente todas as minhas emoções, atropelando minha razão.

"Tânia, meu amor."

Seus olhos amendoados fixos em mim como se alegres em me ver, não enxergam mais a minha aparência.

Fitam algo através de mim, através do tempo e do espaço e já nem piscam enquanto fios de cabelo de sua franja roçam em suas pupilas.

É necessário uma certa escuridão para que se veja as estrelas e eu consigo ver essa escuridão através daquele par de olhos secos, infinita e aconchegante.

Com cuidado tiro-a de dentro do guarda-roupas e a coloco em nossa cama.

Acariciando sua pele pálida que já está totalmente esticada sobre os ossos pontudos de sua face, beijo sua boca com ternura, sinto a aspereza de seu tórax até achar a ponta do que sobrou de seus mamilos.

Coloco uma de suas mãos em meu pau para que ela sinta o poder que tem sobre mim, para que fique excitada com o quão duro estou.

Em minha boca que deságua um mar de desejo,  umedeço a ponta de meus dedos, deslizo a alça de seu vestido e continuo com os movimentos em seus mamilos agora nus.

Suas pernas rígidas não têm mais a mesma flexibilidade de meses atrás, por esse motivo me precavi e as deixei semiabertas, reservando um lugar que é meu por direito.

Seu clitóris já quase completamente dissolvido é uma lembrança boa, não consigo dizer onde está exatamente apenas intuir, ainda assim me concentro na chupada. Com a mão direita um dedo... dois, dentro de sua bocetinha apertada, com a esquerda continuo a brincar com o mamilo.

Minha glande pulsa desejando o toque de minha amada, cada textura de seu corpo, áspero ou pontiagudo, seco ou ainda minimamente pegajoso, uma intensidade diferente em cada sensação.

Afasto os grandes lábios de sua vulva inchada devido às grandes doses de formol e a penetro vagarosamente, estocando de forma lenta e apaixonada.

Viro seu corpo com cuidado para que não desmonte ao toque, mas mesmo assim percebo um naco da carne de sua nádega se desprendendo em meus dedos.

Não consigo segurar o impulso de violar sua bunda após aquela provocação, mesmo a mais doce das mulheres consegue ser sensual e provocante para o seu homem, isso me faz ama-la de forma ainda mais ardente. Invado seu buraco frio e seco com a mesma fome que chupei sua boceta e explodo num coito feroz.

Sinto minha porra escorrer para fora de sua bunda e sorrio olhando-a nos olhos.

"Isso, goza pra mim amor..."

Observo a doçura do seu olhar, os vincos ao redor de sua boca que já perderam o senso de humor e as linhas profundas que riscam seu rosto adicionando anos de vida que você não viveu.

E nem viverá.

Mas independente de viva ou morta, foderei seu corpo intensamente com todo o amor que existe em mim, por todas as vezes que não te comi.

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⏰ Última atualização: Dec 08, 2023 ⏰

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