Capítulo 5: Rezando entre hipócritas

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A igreja do povoado não era apenas um local de fé e devoção, era também um ambiente social. Enquanto faziam seus pedidos em orações todos usavam da melhor roupa; do melhor perfume, das melhores jóias e sapatos. Mesmo que trabalhassem desarrumados por toda a semana, em serviços humildes e braçais, estavam todo domingo na igreja; limpos cheirosos e arrumados. Claro que para Madalena, era uma forma de sempre ter o melhor para oferecer a Deus, estar com seu vestido mais bonito (mesmo que fosse muito fora de moda e fechado que a maioria das garotas de sua idade). De estar com o melhor sapato (Era o único que tinha reservado além do velho que usava agora, porque a outra botina havia rasgado), e de arrumar o cabelo ressecado em um coque com uma fita preta. Gostava de ir apresentável; para demonstrar a Deus que se esforçava no seu melhor a agradecer tudo que ele fazia por ela; como fez Abel ao escolher do melhor para oferecer a Deus na oferenda.

Entretanto não eram todos que assim pensavam; enquanto algumas poucas pessoas se esforçaram para Deus, a maioria se esforçava para o círculo social. Porque quando estavam trajados das melhores roupas, mais superiores eles ficavam. E olhavam torto para aqueles que não estavam nas melhores roupas da moda como eles; como faziam sua imagem ser imponente e inalcançável. Como se fossem seres celestiais; como se não fizessem parte do mundo que Deus criou para Adão e Eva. Andavam de cabeça erguida, ignorando as pessoas que eram gentis, porém mais pobres, que os trataram bem durante toda a semana, e que não iam para a igreja no domingo por vergonha de seus trajes. Porque achavam que não eram o suficiente. E, com total certeza que suas almas já estavam salvas, andavam todos como se já tivessem sido arrebatados para o paraíso; de nariz virado para cima. Escondendo sua falta de caráter em palavras gentis; em expressões carinhosas e palavras de respeito a Deus. Quando no seu íntimo havia grande ego e falta de amor ao próximo.

Madalena sentia a rejeição dos companheiros da igreja, por mais que não fosse dito, ninguém a queria por perto nas panelinhas. Todos participavam de uma, até mesmo seu primo Chris, com tamanho mal caratismo, tinha uma cadeira com os amigos próximos de garotas da igreja; Marcus sentava próximo a parceiros de negócios, a tia sentava com as senhoras de uma espécie de ranking de "respeito das senhoras casadas". Claire nem era necessário imaginar que os grupinhos sempre lutavam por ela: todos os domingos tinha de variar onde ficaria para não chatear tantos amigos. E onde Madalena sentava-se? Junto das senhoras idosas, que ela levava remédios. E que gostavam muito dela; entretanto era entediante as conversas no qual ela era obrigada a manter um sorriso quando se dirigiam a ela. Porque Madalena era acanhada e quieta, e elas falavam demais e alto, sobre assuntos de suas épocas de mocidade. Na maior parte das vezes ela apenas se ajoelhava e rezava, enquanto demais pessoas conversavam antes da chegada do pároco. Sentia paz interior, mesmo que fosse forçada a estar no meio de tantas pessoas que ela não gostava; Mesmo que, ironicamente, desejasse ter suas atenções.

Aquele domingo em especial, se esforçou mais em suas orações; pedia saúde do tio que desde a noite anterior havia piorado. Claro que houve grande comoção na casa, a tia estava a odiando mais que nunca e agora não tinha necessidade de esconder do marido. Willian estava deitado na cama de seu quarto, se antes já não falava agora que só suspirava. Durante a madrugada Marcus trouxe o médico local, teve de insistir muito para que a esposa o acordasse, para no final ele dizer que Willian teria pouco de tempo de vida. Entretanto Madalena ignorou, amava tanto o tio e se sentia tão culpada por tudo (Marcus também se culpou). Ambos haviam se esforçado muito para trabalhar para a família, e no final tudo não havia servido de nada. Em um momento de distração o empregado da carga dedurou todos; Marcus ficou irado, quase bateu no homem na manhã de domingo. Ele o teria demitido se não precisse tanto da sua mão de obra.

Madalena ainda sentia-se nervosa, não sabia o que pensar sobre ter a casa em seu nome. Pensava até em devolver para a tia, mas ao mesmo tempo sentia que ela merecia. Afinal, ela não ligava sobre quem era dono do quê, mas depois das palavras do tio temeu por si; se o tio partisse, Deus que o livre, o que seria de Madalena? Não ligava de ser empregada toda a vida da própria família, mas e se eles a expulsarem? Estava sentindo ódio de Cecília por uma reação tão exagerada. Olhou rapidamente aos assentos da frente do lado esquerdo, quando o pároco anunciou o início da Missa, a tia sentada com uma roupa modesta e um penteado simples. Mais a frente dela estava Claire vestida de branco, e na outra fileira do lado esquerdo estava Marcus. Todos em silêncio, como se nada tivesse acontecido. Claire sorria e mantia uma expressão calma; como se não tivesse acordado mais cedo que o habitual para fazer uma maquiagem que encubrisse a leve elevação roxa em seu rosto. Tudo para manter a imagem de filha de uma família perfeita.

Madalena estava toda vestida de preto, usava um vestido de mangas longas para cobrir o bronzeado dos braços. A tia não havia machucado tanto seu rosto, apenas a esbofeteado. Entretanto sua cabeça doía muito pelos golpes no chão. Se deixou esquecer um pouco a vida particular; agora nada importava. Apenas ouvir a voz estridente do pároco gritando palavras de latim que ela não entendia, entretanto, a acalmavam.

Enquanto isso, alguns assentos por trás de Madalena estava Chris a encarando. E estava cochichando com os amigos antes do som do órgão de sinos começar a tocar.

-Então ele passou tudo para seu irmão e sua prima? -David cochichou baixo. Estava do lado esquerdo de Chris, e Joaquim do lado direito. Aproveitaram que estavam na última fileira.-Por que não disse que seu tio trabalhava na carga e descarga da venda, Joaquim?

- Como eu iria saber? Já disse que não vou com a cara de Marcus, nunca fui no depósito da loja!- Rebateu o outro.- Eu não falo com meu tio, e tenho lá culpa de Chris não saber que ele era meu tio? Não enche!

-Chega os dois!- Resmungou Chris.- Agora que estou ferrado! Com a loja no nome do meu irmão vou ser escravizado!

-Enquanto a casa?- Disse David.

-O que tem?

- Não está no nome da sua prima? E se ela expulsar sua família?

-Aquela ratinha? Não acho.- Deu ombros.- Ela é toda abobada, só faz trabalhar e não reclama de nada!

-Mas e se ela arranjar alguém que pense diferente? Algum namorado, por exemplo?- Joaquim disse baixo.- Sabem que, soube eu, que houve uma época que ela encarava muito Gabriel?

-O irmão da aleijadinha?- Chris fez uma careta.

- Sim, ele mesmo! Sabe que as pessoas usavam isso Como zombaria, e ele nem reclamava de nada. Não gosto dele porque é todo engomadinho. Mas se ele não reclamava, é porque pode ter gostado. Ele parece meio interesseiro; vive puxando saco da irmã mais velha porque é casada com um homem que aluga carroças na saída do povoado para o viscondado.- Fez uma pausa enquanto um servente da igreja passava para colher doações, retomando assim que ele saía.- Se ele ficar sabendo que ela tem aquele casarão no nome dela, casa com ela na mesma hora! E eu acho que ele não gostaria que tratassem a esposa do jeito que vocês tratam. Eu também não gostaria.- Logo após isso, se calou. Ignorando os amigos para prestar atenção na missa.

-Mais um motivo para você pensar naquilo.- David Resmungou ao ouvido de Chris, que encarava novamente a prima, se uma forma que Joaquim não ouvisse.

A missa seguiu normalmente, com orações em latim, apresentações de músicas em órgão de sinos e pianos. Novamente Claire era a estrela do couro. Tudo parecia estar como sempre, isso se Madalena não tivesse saído da igreja mais cedo. Ainda durante a Missa, algo que ela nunca faria em um dia normal. Madalena sentia muita dor de cabeça; a música e a cantoria entravam dentro de seus tímpanos e ela sentia como se fosse explodir. Como já havia feito suas orações, saiu enquanto todos da família estavam distraídos, caminhava para o cemitério enquanto ainda era dia. Queria fazer algo que ela nunca tinha coragem de fazer, e não se importava muito; visitar a tumba dos pais. Mesmo que tivesse medo de cemitérios estava sentindo-se sentimental depois da discussão do tio. Iria rezar para os pais, pedir que ajudassem seu tio.

Ainda andava mal pela rua deserta ( a maioria das pessoas estavam na igreja) porque ainda estava mancando. Distraída, não notou que não foi apenas ela que se esguiou para fora da igreja.

Nobreza de Sangue -A Sétima CriadaOnde histórias criam vida. Descubra agora