prologo

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DÓI RESPIRAR.

Trauma grave na cabeça.

— Fratura craniana com depressão.

Os azulejos brancos do teto embaçam. Máquinas apitam. Mãos enluvadas me tocam.

— Cadence? Cadence. Olhe pra mim.

Sua voz soa falha e distante, mas tento me focar nela. O cabelo ruivo da mulher está preso em um rabo de cavalo feito às pressas e algumas mechas caem em volta de um par de olhos azuis intensos que rapidamente entram em foco.

— Bom. Isso é bom. Eu sou a dra. Montgomery. Sou neurocirurgiã — Tento me concertar em seus lábios para decifrar o que ela diz, a luz ofuscante do teto salpicando flocos de luz brancas em minha visão — Eu vou cuidar de você, o.k?

Ela tem uma auréola de luz em volta da cabeça, acendendo o vermelho do seu cabelo. Eu a encaro e outra voz chama minha atenção.

— Fêmur fraturado e lacerações interescapulares...

— Esse cara fala demais, não é? — ela diz, me dando uma piscadela rápida e confiante.

Eu forço todo o resto a se aquietar, exceto a médica. Algo na calma dela me reconforta nesse caos. A voz que grita, os alarmes, o som das minhas roupas sendo rasgadas do meu corpo, tudo some. Não há nada além do anel de luz em volta do cabelo dela. Do sorriso em seu rosto.

Eu começo a sorrir também, mas então eu noto...

Ah, meu Deus.

Nos óculos dela, eu vejo meu reflexo. Meu nariz está salpicado de sangue. Um pedaço da minha testa — acima do meu olho esquerdo —, está aberta como um envelope, expondo o osso branco por baixo. Osso branco rachado. Meu crânio. Quebrado.

Eu começo a entrar em pânico, os sons todos voltando enquanto uma onda de medo cai sobre mim.

— Isso é....? Isso é o meu...?

— Você está bem — ela diz com um sorriso. Não consigo imaginar como um osso saindo para fora do meu corpo possa ser bom, mas a expressão dela continua tão calma quanto antes. Por que ela não está pirando com isso? Ela toca meu rosto e eu levo um minuto até perceber que a está tocando minha testa, minhas bochechas, meu maxilar.

— Eu não... eu não sinto nada. Eu deveria estar sentindo alguma coisa?

Acho que vejo o sorriso dela falhar por uma fração de segundo, mas então eu tenho certeza de que é só meu crânio — quebrado — me pregando peças, porque ela continua sorrindo.

Ainda estou tentando não pirar quando as portas duplas da sala de emergência se abrem com tudo atrás da dra. Montgomery e outra maca é trazida para dentro.

Eu começo a fechar os olhos, o último vestígio de energia que eu tinha saindo de mim, mas então eu vejo. Uma massa de cabelos castanhos coberto por uma camada de sangue.

Não.

Não, não, não. Tudo volta. A tempestade. A briga com meus pais. A ponte interditada. Os gritos.

— Mãe — eu tenho gritar, mas minha voz sai fraca, minhas pálpebras estão pesadas. Tudo está tão pesado.

— Fique comigo, Cadence — a voz da médica diz. — Sala de operação três. Agora — ela grita para as outras vozes na sala.

Eu luto para manter meus olhos abertos, luto para mantê-los em minha mãe, mas de repente eu estou me movendo, as luzes florescentes me cegando enquanto piscam no alto, uma depois da outra, cada vez mais rápido.

Não! Eu quero gritar. Voltem! Mas eu não tenho forças para formar as palavras, e tudo à minha volta continua se movendo.

Eu vejo um médico carregando uma criança.
Pisca.

Uma mulher mais velha recebendo oxigênio.
Pisca.

Uma garota parecida com minha mãe chorando, agarrada a um homem. Ela ergue os olhos assim que viramos o corredor, e seu vestido vermelho está ensopado de lágrimas. Pisca.

E então eu vejo a dra. Montgomery, seu jaleco branco esvoaçando na minha frente, embaçando e se expandindo em um brilho que consome todo o corredor, até que já não existe nada além da luz branca que me cega.

𝗠𝘆 𝗟𝗶𝗳𝗲 𝗪𝗶𝘁𝗵 𝗧𝗵𝗲 𝗪𝗮𝗹𝘁𝗲𝗿 𝗕𝗼𝘆 - 𝗔𝗹𝗲𝘅 𝗪𝗮𝗹𝘁𝗲𝗿Onde histórias criam vida. Descubra agora