Capítulo 2

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O novo duque de Hastings é um personagem muito interessante. Ainda que seja de conhecimento geral que ele não se dava bem com o pai, nem mesmo esta autora conhece o motivo da desavença.
CRÔNICAS DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN, 26 DE ABRIL DE 1813
Mais tarde nessa semana, Daphne estava parada na extremidade do salão de baile de Lady Danbury, distante do elegante grupo de convidados. Sentia-se bastante satisfeita com sua posição.
Em dias normais teria apreciado as festividades. Gostava de uma boa festa como qualquer outra jovem, porém mais cedo nessa noite Anthony lhe informara que Nigel Berbrooke o procurara dois dias antes pedindo a mão dela.
De novo. Anthony havia, é claro, recusado (de novo!), mas Daphne tinha a forte sensação de que Nigel seria persistente ao ponto do constrangimento. A nal, dois pedidos de casamento em duas semanas não eram o retrato de um homem que aceitava derrotas com facilidade.
Da outra extremidade do salão de baile, podia vê-lo olhando para todos os lados e se escondeu ainda mais nas sombras.
Ela não fazia ideia de como lidar com o pobre homem. Ele não era muito inteligente, mas também não era indelicado, e embora de alguma forma ela tivesse que pôr um m à sua obsessão, achava muito mais fácil fazer o papel de covarde e simplesmente evitá-lo.
Estava pensando em escapar para o toalete feminino quando uma voz conhecida a fez parar de imediato.
– Ora, Daphne, o que está fazendo aqui isolada?
A jovem ergueu os olhos para ver o irmão mais velho caminhando em sua direção.
– Anthony – disse ela, tentando decidir se estava satisfeita por vê-lo ou incomodada pela possibilidade de ele ter aparecido para se intrometer em sua vida. – Não imaginei que você estaria aqui.
– Mamãe – respondeu ele, irritado.
– Ah – suspirou Daphne, dando um aceno solidário com a cabeça. – Não precisadizer mais nada. Já entendi tudo.
– Ela fez uma lista de noivas em potencial. – Lançou um olhar tenso para a irmã.
– Nós a amamos mesmo?
Ela engasgou com a risada.
– Sim, Anthony, nós a amamos.
– É insanidade temporária – resmungou ele. – Só pode ser. Não existe outraexplicação. Ela era uma mãe perfeitamente razoável até você chegar à idade de se casar.
– Eu? – gritou Daphne. – Então a culpa é toda minha? Você é oito anos maisvelho que eu!
– Sim, mas ela não havia sido dominada por esse fervor matrimonial até chegara sua vez.
A jovem riu.
– Perdoe-me se não me solidarizo com você. Recebi uma lista ano passado.
– É mesmo?
– É claro. E agora ela está ameaçando me dar uma nova a cada semana. Elame atormenta com a questão do casamento muito mais do que você poderia imaginar. A nal, solteiros são um desa o. Solteironas são apenas patéticas. E, caso você não tenha percebido, sou uma mulher.
Anthony riu baixinho.
– Eu sou seu irmão. Não percebo esse tipo de coisa. – Lançou a ela um olharmaroto, meio de lado. – Você a trouxe?
– Minha lista? Meu Deus, claro que não. O que você está pensando?
Ele abriu um sorriso. – Eu trouxe a minha.
Daphne arquejou.
– Não acredito!
– Pois acredite. Apenas para torturar mamãe. Pretendo lê-la bem na frente dela.
Vou pegar meu monóculo...
– Você não tem um monóculo.
Ele sorriu – o sorriso lento e meio maroto que parecia peculiar a todos os homens da família Bridgerton.
– Trouxe um especialmente para a ocasião.
– Anthony, você não pode fazer isso de jeito nenhum. Ela vai matar você. E depois, de alguma forma, vai encontrar uma maneira de culpar a mim.
– Estou contando com isso.
Daphne deu um soco no ombro dele, arrancando-lhe um gemido alto o su ciente para que meia dúzia de convidados lhes lançasse olhares curiosos.
– Que soco forte – disse Anthony, esfregando o braço.
– Uma garota não pode viver muito tempo com quatro irmãos sem aprender adar um soco. – Ela cruzou os braços. – Deixe-me ver sua lista.
– Depois de você me atacar?
Daphne revirou os olhos castanhos e inclinou a cabeça para o lado, num gesto claramente impaciente.
– Muito bem, vamos lá. – Ele enfiou a mão no colete, tirou um papel dobrado e oentregou a ela. – Diga o que acha. Tenho certeza de que terá muitas observações sarcásticas.
A menina desdobrou a folha e olhou para a caligra a perfeita e elegante da mãe.
A viscondessa de Bridgerton havia listado os nomes de oito mulheres. Oito jovens muito qualificadas e riquíssimas.
– Como eu imaginava – murmurou Daphne.
– É tão terrível como eu acho que seja?
– Pior. Philipa Featherington é burra como uma porta.
– E o resto?
Daphne olhou para ele erguendo as sobrancelhas.
– Você não queria mesmo se casar este ano, queria?
Anthony estremeceu.
– E como é a sua lista?
– Neste momento, está afortunadamente desatualizada. Três dos cinco nomes secasaram na temporada passada. Mamãe ainda me dá broncas por tê-los deixado escapar.
Os dois soltaram suspiros idênticos ao se encostarem na parede. Violet Bridgerton era implacável em sua missão de casar os lhos. Anthony, o mais velho dos rapazes, e Daphne, a mais velha das meninas, suportavam a maior parte da pressão, embora Daphne suspeitasse de que a viscondessa casaria de bom grado Hyacinth, de 10 anos, se a menina recebesse uma proposta adequada.
– Meu Deus, vocês dois estão com uma cara péssima. O que estão fazendo escondidos neste canto?
Mais uma voz reconhecível de imediato.
– Benedict – disse Daphne, olhando de lado para ele sem mexer a cabeça. – Nãodiga que mamãe conseguiu obrigá-lo a vir.
Ele assentiu com irritação.
– Ela ignorou por completo a parte da bajulação e passou direto para a culpa. Sóesta semana me lembrou três vezes de que talvez eu tenha que produzir o próximo visconde, se o nosso Anthony aqui não se ocupar disso.
Anthony soltou um resmungo.
– Imagino que isso explique a presença de vocês nos cantos mais escuros do salãode baile – continuou Benedict. – Estão evitando mamãe?
– Na verdade, eu vi a Daff se escondendo no canto e... – respondeu Anthony.
– Se escondendo? – disse Benedict, fingindo estar horrorizado.
Ela lançou um olhar de irritação para os dois.
– Estou aqui para me esconder de Nigel Berbrooke – explicou. – Deixei mamãena companhia de Lady Jersey, então ela provavelmente não vai me incomodar tão cedo. Já Nigel...
– Parece mais um macaco que um homem – ironizou Benedict.
– Bem, eu não colocaria nesses termos – comentou Daphne, tentando ser gentil –,mas ele não é nenhum gênio, e é muito mais fácil evitá-lo do que magoá-lo. E agora que vocês me encontraram, talvez eu não consiga car longe dele por muito mais tempo.
– Ah, é? – disse Anthony, simplesmente.
Daphne olhou para os dois irmãos mais velhos, ambos com pouco mais de 1,80 metro de altura, ombros largos e olhos castanhos enternecedores. Ambos tinham cabelos castanhos bem fartos – de um tom quase igual ao dela – e não conseguiam ir a lugar algum sem uma pequena balbúrdia de jovens risonhas atrás.
E onde havia uma balbúrdia de jovens risonhas, era certo que Nigel Berbrooke estava presente.
Daphne já podia ver cabeças se virando na direção deles. Mães ambiciosas cutucavam as lhas e apontavam para os dois irmãos Bridgertons, sozinhos e sem companhia além da irmã.
– Eu sabia que devia ter ido ao toalete – sussurrou Daphne.
– O que é esse pedaço de papel na sua mão, Daff? – perguntou Benedict.
Sem pensar direito, ela lhe entregou a lista das aspirantes a noivas de Anthony.
Depois dos risos altos de Benedict, Anthony cruzou os braços e falou:
– Tente não se divertir muito às minhas custas. Imagino que você receberá a suasemana que vem.
– Sem dúvida – concordou Benedict. – É de espantar que Colin... – Arregalou osolhos. – Colin!
Mais um irmão Bridgerton se juntou ao grupo.
– Ah, Colin! – exclamou Daphne, jogando os braços ao redor do irmão. – Quebom ver você!
– Perceba que nós não recebemos uma saudação tão entusiasmada – disse Anthony a Benedict.
– Vocês eu vejo o tempo todo – retrucou Daphne. – Colin esteve fora por um ano.– Depois de dar um último apertão, ela recuou e ralhou com ele. – Não estávamos esperando você até a semana que vem.
Colin encolheu apenas um dos ombros, o que combinou perfeitamente com seu sorriso enviesado.
– Paris ficou chata.
– Ah – lamentou Daphne com um olhar sagaz. – Então você ficou sem dinheiro.Colin riu e ergueu os braços, em sinal de rendição.
– Adivinhou.
Anthony abraçou o irmão e comentou, em tom ríspido:
– É muito bom ter você de volta. Ainda que os recursos que eu lhe mandei devessem ter durado pelo menos até...
– Pare com isso – interrompeu-o Colin, com ar indefeso, a voz ainda dominadapelo riso. – Prometo que você pode me dar o sermão que quiser amanhã. Mas hoje eu só quero aproveitar a companhia de minha adorada família.
Benedict deu uma risada.
– Você deve estar completamente falido para nos chamar de “adorados”. – Mastambém se aproximou para dar um abraço caloroso no irmão. – Bem-vindo de volta.
Colin, sempre o mais despreocupado da família, sorriu, com os olhos verdes brilhando.
– É bom estar aqui. Embora eu deva dizer que o clima nem se compara com odo continente e, quanto às mulheres... bem, a Inglaterra teria di culdades de concorrer com a signorina que eu...
Daphne lhe deu um soco no braço.
– Faça a gentileza de lembrar que há uma dama presente, seu grosseirão.
Mas quase não havia irritação em sua voz. De todos os irmãos, Colin era o que tinha a idade mais próxima da sua, sendo apenas um ano e meio mais velho. Quando crianças, os dois eram inseparáveis, estavam sempre aprontando. Colin sempre fora brincalhão e nunca precisou insistir muito para que Daphne o acompanhasse em suas maquinações.
– A mamãe sabe que você voltou? – perguntou ela.
Colin balançou a cabeça.
– Cheguei e a casa estava vazia, então...
– Sim, ela colocou os mais novos para dormir mais cedo hoje – interrompeuDaphne.
– Eu não quis car lá esperando sem fazer nada. Então Humboldt me disse ondevocês estavam e eu vim para cá.
Daphne se iluminou, com o amplo sorriso deixando seus olhos escuros ainda mais calorosos.
– Que bom que você veio.
– Onde está mamãe? – indagou Colin, esticando o pescoço para espiar por cimados convidados. Como todos os homens da família, ele era alto, de modo que não precisou se esforçar muito.
– No canto, com Lady Jersey – informou Daphne.
Colin estremeceu.
– Vou esperar até ela se livrar. Não quero ser esfolado vivo por aquele dragão.
– Por falar em dragões – disse Benedict enfaticamente. Não mexeu a cabeça, masolhou para a esquerda.
Daphne seguiu seu olhar para ver Lady Danbury marchando lentamente na direção deles. Ela se apoiava numa bengala. Daphne engoliu em seco e endireitou os ombros. O humor ferino de Lady Danbury era lendário na sociedade. Daphne sempre suspeitara que um coração sentimental se escondia sob seu exterior rude, mas mesmo assim era aterrador quando a senhora forçava a conversa com alguém.
– Estamos encurralados – afirmou um dos irmãos de Daphne.
A jovem fez sinal para ele se calar e ofereceu um sorriso hesitante à velha dama.
Lady Danbury ergueu as sobrancelhas e, quando chegou a menos de 1,5 metro de distância do grupo dos Bridgertons, parou e gritou:
– Não finjam que não estão me vendo!
A observação foi seguida por uma batida tão forte da bengala que Daphne deu um salto para trás e pisou no pé de Benedict.
– Uff... – bufou ele.
Como os três homens pareciam ter cado mudos (exceto por Benedict, é claro, mas Daphne não achou que seu gemido de dor contava como uma fala inteligível), ela engoliu em seco e falou:
– Espero não ter dado essa impressão, Lady Danbury, porque...
– Você não – decretou a velha senhora de forma autoritária. Agitou a bengala noar, desenhando uma linha horizontal perfeita que terminou perigosamente perto da barriga de Colin. – Eles.
Um coro de saudações resmungadas se seguiu como resposta.
Lady Danbury olhou para eles de soslaio antes de se virar mais uma vez para Daphne.
– O Sr. Berbrooke estava perguntando por você – informou.
Daphne sentiu o rosto arder.
– Estava?
Lady Danbury assentiu levemente.
– Eu o cortaria pela raiz se fosse você, Srta. Bridgerton.
– A senhora contou onde eu estava?
A boca da senhora se abriu num sorriso maroto e conspiratório.
– Eu sempre soube que gostava de você. E não, eu não contei onde você estava.
– Obrigada – falou Daphne.
– Seria um desperdício uma menina inteligente como você se prender àquele tonto– a rmou Lady Danbury. – E Deus sabe que a sociedade não pode se dar ao luxo de desperdiçar as garotas inteligentes que tem.
– Hã... obrigada – agradeceu Daphne.
– Quanto a vocês – disse Lady Danbury, balançando a bengala na direção dosirmãos de Daphne –, eu ainda tenho restrições. De você – apontou a bengala para Anthony – eu tendo a gostar, já que recusou o pedido de Berbrooke em nome do bem da irmã, mas do resto... Humpf. – E foi embora.
– “Humpf”? – imitou Benedict. – “Humpf”? Ela pretende quanti car minha inteligência e tudo mais e só o que consegue emitir é um “Humpf”?
Daphne sorriu.
– De mim ela gosta.
– Você é agradável com ela – resmungou ele.
– Muito generoso da parte dela alertá-la sobre Berbrooke – admitiu Anthony.
Daphne assentiu.
– Creio que essa foi minha deixa. – Antes de se retirar, virou-se para Anthonycom um olhar de súplica. – Se ele vier atrás de mim...
– Pode deixar – falou ele com delicadeza. – Não se preocupe.
– Obrigada. – E então, depois de sorrir para os irmãos, deixou o salão de baile.

Enquanto percorria os salões da casa de Lady Danbury em Londres, Simon percebeu que estava de ótimo humor. Pensou, dando uma risada, que isso era de fato extraordinário, considerando-se que estava prestes a participar de um baile da alta sociedade e, com isso, se sujeitar a todos os horrores que Anthony Bridgerton lhe havia descrito aquela tarde.
Mas seu consolo era saber que depois dessa noite não precisaria mais se incomodar com eventos desse tipo. Como dissera a Anthony mais cedo, estava comparecendo àquele baile em particular como demonstração de lealdade a Lady Danbury, que, apesar de seus modos desagradáveis, sempre fora muito gentil com ele em sua infância.
Começava a se dar conta de que sua boa disposição se devia ao simples fato de que estava gostando de ter voltado à Inglaterra.
Não que não tivesse apreciado sua viagem pelo mundo. Percorrera os quatro cantos da Europa, velejara os lindos mares azuis do Mediterrâneo e mergulhara nos mistérios do Norte da África. De lá, seguira para a Terra Santa e então, quando constatou que ainda não era hora de voltar para casa, atravessou o Atlântico e explorou as Antilhas. A essa altura, considerou a possibilidade de se mudar para os Estados Unidos, mas a nova nação resolvera entrar em con ito com a GrãBretanha, fazendo com que Simon desistisse da ideia.
Além disso, foi nessa época que cou sabendo que seu pai, doente havia vários anos, finalmente morrera.
Isso era de fato irônico. Simon não teria trocado seu período de exploração do mundo por nada. Seis anos dão a uma pessoa muito tempo para pensar, muito tempo para aprender o que signi ca ser um homem. E, no entanto, o único motivo pelo qual Simon deixara a Inglaterra, aos 22 anos, fora o fato de seu pai haver, de repente, decidido que enfim estava disposto a aceitar o filho.
Porém o rapaz não estava disposto a aceitar o pai, de forma que simplesmente fez as malas e deixou o país, preferindo o exílio às hipócritas demonstrações de afeto do velho duque.
Tudo começou quando Simon terminou os estudos na Universidade de Oxford. A princípio, o duque não quisera pagar por sua educação – certo dia, o rapaz viu uma carta que o pai tinha escrito a um tutor a rmando que se recusava a permitir que o lho idiota zesse a família passar vergonha em Eton. Mas Simon tinha uma mente ávida e um coração teimoso. Então, solicitou uma carruagem para levá-lo ao colégio Eton, bateu na porta do diretor e anunciou sua presença.
Foi a coisa mais assustadora que fez na vida, mas de alguma maneira ele conseguiu convencer o diretor de que o mal-entendido era responsabilidade da escola, que eles deviam ter perdido os documentos de sua matrícula e do pagamento. Imitou todos os gestos e o modo de falar do pai, erguendo uma sobrancelha arrogante, empinando o queixo e olhando para o homem com superioridade, como se acreditasse que era o dono do mundo.
E o tempo todo tremeu de medo, apavorado com a possibilidade de a qualquer instante as palavras começarem a car enroladas e se amontoarem em sua mente, de “Eu sou o conde de Clyvedon e estou aqui para começar as aulas” saísse como “Eu sou o conde de Clyvedon e estou aq-q-q-q-q-q...”.
Mas isso não aconteceu, e o diretor, que já tinha muitos anos de experiência na educação da elite da Inglaterra para saber que Simon era membro da família Basset, o matriculou rapidamente e sem questionamentos. Levou vários meses para que o pai – sempre muito ocupado com as próprias questões – tomasse conhecimento do novo status e da mudança de residência do lho. A essa altura, Simon estava bem ambientado no colégio e seria muito prejudicial para a imagem do duque tirar o garoto de lá sem motivo.
E o duque não gostava de prejudicar a própria imagem.
Simon se perguntara várias vezes por que o pai não decidira se aproximar dele naquela época. Era claro que o menino não estava tropeçando em cada palavra em Eton. O duque teria cado sabendo por meio do diretor se o lho não estivesse conseguindo levar os estudos adiante. A fala do rapaz ainda falhava de vez em quando, mas a essa altura ele havia se tornado um perito em disfarçar suas di culdades com uma tosse ou, se tivesse a sorte de estar no meio de uma refeição, um gole de chá ou leite no momento certo.
Mas o duque nunca lhe escreveu sequer uma carta. Simon imaginava que o pai já estava tão acostumado a ignorá-lo que o fato de ele ter provado que não era uma vergonha para o nome dos Bassets não tinha nenhuma importância.
Depois de Eton, Simon seguiu o caminho natural e entrou para Oxford, onde cou famoso tanto como um aluno estudioso quanto como um libertino. Verdade seja dita: ele não era mais farrista que a maioria dos rapazes da universidade, mas seu comportamento de certo modo reservado acabava alimentando esse personagem.
Simon não tinha certeza de como isso havia acontecido, mas de repente ele começou a perceber que os colegas buscavam sua aprovação. Ele era inteligente e atlético, mas parecia que seu status elevado estava mais relacionado com seus modos do que com qualquer outra coisa. Como Simon não falava quando as palavras não eram necessárias, as pessoas o julgavam arrogante, exatamente como um futuro duque deveria ser. Como ele preferia andar apenas com os amigos com quem de fato se sentia confortável, as pessoas decidiram que ele era muito exigente ao escolher suas companhias, como um futuro duque deveria ser.
Ele não era muito falante, mas, quando dizia alguma coisa, tinha um humor sagaz e muitas vezes irônico – o tipo de temperamento que conquistava a atenção de todos. E mais uma vez, como não falava sem parar, como tantos outros membros da sociedade, as pessoas ficavam ainda mais obcecadas pelo que ele tinha a dizer.
Ele era conhecido como alguém “con ante”, “lindo de morrer”, “o exemplar perfeito da virilidade inglesa”. Os homens buscavam sua opinião sobre vários assuntos. As mulheres caíam a seus pés.
Simon nunca conseguiu acreditar em tudo aquilo, mas ainda assim gostava de sua posição. Aceitava o que lhe era oferecido – participava de farras com os amigos e aproveitava a companhia de todas as jovens viúvas e cantoras de ópera que ansiavam sua atenção –, e cada aventura era ainda mais deliciosa pela consciência de que o pai as desaprovaria.
Mas acabou que o pai não as desaprovava totalmente. Sem o conhecimento de Simon, o duque de Hastings já havia começado a se interessar pelo progresso do único lho. Pedia relatórios acadêmicos da universidade e contratou um sujeito para mantê-lo informado das atividades extracurriculares de Simon. E, nalmente, parou de esperar que cada notícia contivesse relatos da idiotice do filho.
Era impossível apontar o momento exato de seu arrependimento, mas um dia o duque percebeu que o filho se saíra muito bem, afinal.
Ele cou muito orgulhoso. Como sempre, o berço mostrara sua importância. Ele deveria saber que o sangue Basset não seria capaz de produzir um imbecil.
Depois de terminar a faculdade em primeiro lugar na turma de matemática,
Simon voltou a Londres com os amigos. Fora, é claro, morar sozinho, sem querer qualquer contato com o pai. E, quanto mais participava de eventos sociais, mais pessoas interpretavam equivocadamente suas pausas na fala como arrogância e seu pequeno círculo de amigos como exclusividade.
Sua reputação foi selada quando Beau Brummel – o então reconhecido líder da sociedade – fez uma pergunta bastante confusa sobre alguma nova moda qualquer. O tom do homem fora condescendente e ele claramente desejara constranger o jovem lorde. Como toda Londres sabia, Brummel adorava fazer com que membros da elite inglesa parecessem completos idiotas. Assim, ngira se interessar pela opinião de Simon nalizando a questão com a pergunta “Você não acha?” em uma voz arrastada.
Enquanto uma plateia de mexeriqueiros assistia ao diálogo prendendo a respiração, Simon, que não se importava nem um pouco com o estilo especí co da echarpe do príncipe, simplesmente voltou os olhos azul-claros para Brummel e respondeu: “Não.”
Nenhuma explicação, nenhuma elaboração. Apenas: “Não.” E então ele se afastou.
Na tarde seguinte, Simon poderia muito bem ser o novo rei da sociedade. A ironia era desconcertante. O rapaz não se importava com Brummel, muito menos com seu tom, e provavelmente teria dado uma resposta mais eloquente se tivesse certeza de que não tropeçaria nas palavras. E, no entanto, nesse caso em particular, menos havia provado ser mais, e a a rmação sucinta de Simon se mostrara muito mais implacável do que qualquer discurso que pudesse ter pronunciado.
As notícias sobre o brilhante e lindíssimo herdeiro de Hastings chegaram aos ouvidos do duque. E, embora ele não tenha procurado o lho de imediato, Simon começou a ouvir boatos que davam a entender que seu relacionamento com o pai poderia sofrer uma mudança em breve. O duque riu quando cou sabendo do incidente com Brummel, dizendo: “É claro. Ele é um Basset.” Um conhecido de Simon mencionou que o duque tinha sido visto se gabando sobre o primeiro lugar do rapaz em Oxford.
E então os dois se encontraram frente a frente num baile em Londres.
O duque não permitiu que Simon lhe desse o troco.
O jovem tentou. Ah, como tentou... Mas ninguém tinha a capacidade de destruir sua con ança como o pai, e enquanto Simon encarava aquele que poderia muito bem ser uma versão mais velha dele mesmo num espelho, não conseguia se mexer, não conseguia sequer tentar falar.
Sentia a língua grossa, a boca estranha, e era como se seu gaguejar tivesse se espalhado da boca para o corpo, porque ele de repente não se sentia bem na própria pele. O duque se aproveitou do lapso de razão momentâneo do rapaz e lhe deu um abraço sincero, dizendo: “Filho.”
Simon deixou o país no dia seguinte.
Sabia que seria impossível evitar o pai para sempre se permanecesse na Inglaterra. E se recusava a desempenhar o papel de lho dele depois de ter sido desprezado por tantos anos.
Além disso, estava cando entediado com a vida louca de Londres. Reputação de libertino à parte, Simon não tinha realmente o temperamento de um devasso. Aproveitara as noites na cidade tanto quanto qualquer de seus companheiros, mas, depois de três anos em Oxford e um em Londres, a interminável sucessão de festas e prostitutas estava, bem, perdendo a graça.
Então ele foi embora.
Agora, no entanto, estava contente por ter voltado. Havia algo tranquilizador em estar em casa, alguma coisa pací ca e serena na primavera inglesa. E depois de seis anos de viagens solitárias, era muito bom reencontrar os amigos.
Percorreu os corredores em silêncio, a caminho do salão de baile. Não quisera ser anunciado. A última coisa que desejava era chamar atenção para sua presença. A conversa com Anthony Bridgerton naquela tarde rea rmara sua decisão de não assumir um papel ativo na sociedade de Londres. Não tinha planos de se casar. Nunca. E não fazia muito sentido ir às festas da sociedade se não estava em busca de uma esposa.
Ainda assim, sentia que devia alguma lealdade a Lady Danbury, depois de todas as gentilezas dela durante sua infância. E, verdade seja dita, ele nutria uma grande afeição pela senhora escrachada. Teria sido muito grosseiro recusar o convite, sobretudo por ele ter ido acompanhado de um bilhete pessoal que lhe dava as boasvindas de volta ao país.
Como conhecia a casa, Simon entrou por uma porta lateral. Se tudo desse certo, poderia chegar discretamente ao salão de baile, cumprimentar Lady Danbury e ir embora.
Mas quando virou o corredor num canto, ouviu vozes e ficou paralisado.
Reprimiu um gemido. Havia interrompido um encontro de amantes. Que droga. Como sair dali sem ser notado? Se sua presença fosse descoberta, a cena seguinte com certeza seria repleta de ngimentos, embaraços e uma confusão sem m. Era melhor simplesmente se fundir às sombras e permitir que os amantes seguissem seu caminho feliz.
Mas, quando começou a recuar em silêncio, Simon ouviu uma coisa que chamou sua atenção.
– Não.
Não? Será que alguma jovem tinha sido levada até o corredor deserto contra sua vontade? Simon não desejava ser o herói de ninguém, mas nem ele poderia ignorar um insulto dessa magnitude. Aguçou os ouvidos, tentando escutar melhor. A nal, podia ter entendido errado. Se ninguém precisasse ser salvo, ele certamente não iria avançar e fazer papel de bobo.
– Nigel, você não deveria mesmo ter me seguido até aqui – dizia a moça.
– Mas eu amo você! – gritou o jovem com uma voz apaixonada. – Tudo o quequero é tê-la como esposa.
Simon quase gemeu. Pobre tolo desiludido. Era doloroso ouvir aquilo.
– Nigel – disse a jovem mais uma vez, com a voz surpreendentemente gentil epaciente –, meu irmão já lhe disse que eu não devo me casar com você. Espero que possamos continuar amigos.
– Mas seu irmão não entende!
– Sim – respondeu ela com firmeza –, ele entende.
– Mas que droga! Se você não se casar comigo, quem irá se casar?
Simon piscou, surpreso. Para um pedido de casamento, aquele de nitivamente não era nada romântico.
Pelo visto a jovem também achou isso.
– Bem – continuou ela, parecendo um pouco incomodada –, existem dezenas dejovens no salão de baile de Lady Danbury neste momento. Tenho certeza de que uma delas adoraria se casar com você.
Simon inclinou-se para a frente a fim de dar uma olhada na cena. A moça estava encoberta pelas sombras, mas ele pôde ver o rapaz com bastante clareza. Sua expressão era de vergonha e ele tinha os ombros encurvados pela derrota. Com desânimo, balançou a cabeça.
– Não – lamentou ele –, elas não querem se casar comigo. Você não vê? Elas...elas...
Simon se retraiu enquanto o homem lutava pelas palavras. Ele não parecia estar gaguejando, apenas emocionalmente abalado, mas nunca era agradável quando alguém não conseguia completar uma frase.
– Nenhuma delas é tão boa quanto você – completou ele, en m. – Você é a únicaque sorri para mim.
– Ah, Nigel – disse a garota, com um suspiro. – Tenho certeza de que isso não éverdade.
Mas Simon pôde ver que ela estava apenas tentando ser gentil. E quando suspirou mais uma vez, ficou claro que não precisaria ser resgatada. Ela parecia ter a situação sob total controle, e embora Simon tenha sentido certa compaixão pelo infeliz Nigel, não havia nada que pudesse fazer para ajudar.
Além disso, estava começando a se sentir o pior tipo de voyeur.
Começou a recuar devagar, mantendo o olhar xo numa porta que sabia que dava na biblioteca. Outra porta, no lado oposto daquele cômodo, levava ao conservatório. De lá, poderia chegar ao corredor principal e seguir até o salão de baile. Seria tão discreto como ir pelos corredores transversais, mas pelo menos o pobre Nigel não saberia que sua humilhação tivera uma testemunha. Mas então, quando estava a apenas um passo de uma retirada estratégica, ouviu a garota dar um grito.
– Você tem que se casar comigo! – berrou Nigel. – Tem! Eu nunca vou encontraroutra pessoa...
– Nigel, pare!
Simon se virou, com um suspiro. Parecia que teria que resgatar a moça, a nal. Voltou ao corredor, com a expressão mais digna possível de um duque. As palavras
“Acredito que a dama tenha pedido que parasse” estavam na ponta da língua, mas o destino parecia não querer que ele bancasse o herói aquela noite, porque antes que pudesse emitir qualquer som, a jovem puxou o braço que Nigel estava segurando e acertou um soco surpreendentemente forte bem no queixo do rapaz.
Nigel caiu, agitando os braços no ar, de forma cômica, enquanto suas pernas saíam do chão. Simon simplesmente cou parado ali, assistindo incrédulo à garota ajoelhar-se.
– Ah, puxa – disse ela, com uma voz meio aguda. – Nigel, você está bem? Eunão tive a intenção de bater tão forte.
Simon riu. Não conseguiu evitar. A garota olhou para cima, assustada.
Ele cou sem ar. Até então ela estivera oculta nas sombras, e tudo o que ele havia conseguido discernir da aparência dela tinham sido seus cabelos fartos e escuros. Mas agora, quando ela levantou a cabeça para encará-lo, ele constatou que tinha olhos grandes, também escuros, e a boca mais larga e exuberante que ele já vira. Seu rosto em formato de coração não era bonito segundo os padrões da sociedade, mas alguma coisa nele o deixou sem fôlego.
As sobrancelhas, grossas mas delicadamente arqueadas, se juntavam.
– Quem é você? – perguntou ela, não parecendo nem um pouco satisfeita ao vê-lo.

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⏰ Última atualização: Dec 18, 2023 ⏰

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