Capítulo 1

19 1 0
                                    

Era uma vez uma menina construída por alguém... sem nome, sem rosto, sem voz, sem passado, sem futuro. Deixada num canto remoto do universo com o único objetivo de encontrar os pedaços que lhe faltavam, pedaços que seu criador cruelmente escondeu longe da vista, imaginação, tempo ou pensamento humano. Sem nada mais a fazer, ela deu o primeiro passo, o chão em que pisou era gelado, molhado, uma substancia que afundava a cada vez que ela dava mais um passo, mas sendo ela vazia, não conhecia o frio, sendo assim seguiu caminhando.

Sem olhos para observar a paisagem e sem saber da existência do tempo, ela andou experimentando com os pés os diferentes relevos e perigos a que estava exposta, mas como era vazia, não conhecia dor, sendo assim, seguiu caminhando. Porem apesar de estar alheia a presença do mundo ao seu redor, ele seguia existindo, mas sem rosto para ser lembrada, sua passagem era quase sempre associada a um fantasma, sem voz a ser ouvida era comparada ao breve som que o vento fazia ao atravessar as árvores, invisível e efêmero. Mas sendo vazia, não havia sabor no vento e nem valor nos comentários feitos, sendo assim seguiu caminhando.

Os dias seguiram passando, se tornaram anos, que se tornaram séculos, e o fantasma dos mundos, como ficou conhecida, continuou andando sem rumo e sendo ela vazia seu caminhar era tudo que conhecia. Um dia ou tarde ou noite, como ela saberia? Após séculos vagando em busca de algo que ela nem sabia o que era, como era... sendo vazia como era, não existiam pensamentos, ideias, planos... nada além de um eterno caminhar, ignorado pelo mundo em volta. Um dia, por alguns segundos algo a tocou, o que apesar dela não saber o nome, era sua mão, um leve esbarrão, que deve ter sido seguido por um pedido de desculpas que ela não ouviu, e vazia como era, seguiu caminhando, mas dessa vez incomodada com a repetição constante, que o corpo que ela nem sabia que tinha, insistia em fazer daquele toque, aquele único toque tão leve quanto um fio de cabelo caindo no chão. E se ela era capaz de sentir aquilo, quão vazia ela realmente era? E mais uma vez esse incômodo, o que é isso que se repete tantas vezes por uma voz que nunca ela nunca ouviu? Sendo ela vazia como era, seguiu caminhando, ignorando a cada passo a voz invisível que a perseguia, perguntando insistentemente "como algo toca o vazio?"

Mais alguns anos devem ter se passado, como saber? Mas foi tempo suficiente para a voz voltar a silenciar. O caminhar incessante continuou, o fantasma dos universos visitou as paisagens mais indescritíveis possíveis, de céus feitos de pura lava á rios que jorravam estrelas, mas sendo ela vazia, que beleza havia nisso? 

Eras se passaram, o Fantasma virou lenda, alguns diziam que ela existia desde que o tempo começou a ser contado, outros que ela havia cometido um mal tão terrível que foi castigada a viver a eternidade vazia, já alguns poucos acreditavam que ela não passava de um espírito perdido. Mas sendo ela vazia, qualquer história se encaixava afinal ela não estava em posição de corrigir nada, sendo que nem mesmo ela sabia qual era a verdade.

É de se imaginar que viver uma vida de pensamentos inexistentes seja um sonho, mas sendo ela vazia, não tinha sonhos, sequer sabia que pensamentos costumavam invadir os raros momentos vazios que se criam ao longo da vida. E foi assim que aquele toque, aquele fio de existência experimentado a sabe-se lá quanto tempo, a invadiu. E pela primeira vez ela interrompeu seu caminhar e por alguns segundos se perguntou como seria se preencher de toques como aqueles. Mas sendo ela vazia como era, tão breve quanto vieram eles se foram, e seu caminhar sem rumo, em busca de algo, quem sabe, prosseguiu.




UM  CONTO VAZIOOnde histórias criam vida. Descubra agora