A Fantasma caminhou pelos mundos por mais eras, sozinha, incompleta, imperfeita e vazia. Ela caminhou tanto que pela primeira vez ela percebeu que nada além dos seus pés já haviam tocado o chão. Mas sendo ela vazia, a curiosidade de sentir o mundo com algo além de seus pés, nunca lhe ocorreu. O chão em que pisava era molhado, profundo o bastante para cobrir seus pés, um pouco frio e tinham pequenos relevos de superfície lisa que forravam o chão. A qualquer ser que pise esta ou outras terras, o medo diante o desconhecido é natural, mas sendo ela vazia, não havia nada a sentir.
Sem ter exata consciência de como era o corpo onde habitava e como funcionava exatamente seus membros, na tentativa de se abaixar para tocar o chão, ela descobriu que lhe faltava o equilíbrio necessário, sendo assim todo seu corpo foi ao chão, mas sendo ela vazia, nada além da água fria foi sentida. Sentada em meio a substancia molhada, ela sentiu pela primeira vez que algo além dos seus pés sentiam frio, sentiam texturas, ela sentiu uma leve força que movia a substancia onde ela estava sentada, o relevo liso que seus pés sentiam, ao toque do que ela ainda não sabia ser suas mãos, eram pequenos, lisos, frios, de formas diferentes... Ela perdeu a noção do tempo que passou ali, talvez alguns dias, mas quem estava contando? Mas o fascínio eventualmente acabou, ela estava buscando algo a caminhada precisava continuar, mas como forma de manter a textura dos pequenos objetos e sendo ela vazia, sua memória apagaria aquele momento assim que ela desse o primeiro passo, dessa forma ela selecionou dois dos objetos, com a textura e o tamanho que mais lhe pareceram agradáveis, para carregar consigo. E sendo ela vazia, seguiu.
Ela andou por mais algumas eras, já havia caminhado pelo chão de cada mundo existente, os objetos pegos a tanto tempo, seguiam em suas mãos, na tentativa de recriar aquele toque tão efêmero sentido no que deve ter sido o inicio da sua existência, mas o toque dos objetos eram frios, duros... tão diferentes da sensação que ela buscava, mas sendo ela vazia sensações e sentimentos eram impossíveis de serem segurados e eram facilmente levados pelo vento. Até que em um dia ensolarado ou chuvoso, numa noite estrelada ou enevoada... como ela quisesse que fosse, mas sendo ela vazia a imaginação não fazia parte da sua existência confusa. Mas mesmo assim, ela foi pega por algo familiar, aquele chão... ela conhecia aquele chão, foi a primeira coisa que ela lembrava de ter sentido na vida. Só ai ela se deu conta de que depois de caminhar por vidas em busca de algo, ela voltou ao ponto de partida, sem nada. Mas sendo ela vazia, não havia decepção, não havia falha, não havia nada. E sendo ela vazia, recomeçou sua busca.
É de se imaginar que ser um Fantasma, em busca de partes que ela nem sabem que existem, seja solitário, mas sendo ela vazia, que solidão há para sentir? Tantos mundos haviam caído e se erguido desde a sua primeira peregrinação, que mais lendas haviam sido criadas sobre a fantasma sem rosto, descalço e com duas pedras na mão. Muitos diziam que ela usava as pedras para punir os impuros, outros diziam que era onde ela guardava as almas de quem atravessava seu caminho. É cruel pensar que em tantos universos, nenhuma alma sequer, olhava para ela como alguém perdido, mas sendo ela vazia, isso não fazia diferença.
Com mais tempo de existência que a maioria do universo, ela estava familiarizada com cada passo que dava em cada terra, mas sendo ela vazia, a intervenção das pessoas em volta no ambiente era algo que ela não previu e pela segunda vez em sua longa existência, um obstáculo a fez cair. Ela sentiu um desconforto, mas sendo ela vazia, aquilo não significou nada. Porem seus preciosos objetos haviam escapado de suas mãos, é possível acreditar que a tristeza deveria ter se estampado em seu rosto, caso ela tivesse um. Mas sendo ela vazia, apenas levantou para seguir seu caminho.
Mas antes que pudesse dar seu primeiro passo, aquela sensação que não passou de um fio de toque voltou. Um toque... quente, macio... diferente da sensação dos seus objetos frios agora perdidos. Isso, seja lá o que fosse, pôs seus objetos perdidos em suas mãos e se algo foi dito ou não, ninguém poderá dizer já que os sons lhe passavam surdos. E sendo ela vazia, continuou.