Poluição Sonora

21 4 18
                                    

Para você.



ding dong, ding dong, diiiiiiiing dong

De todos os ruídos externos que a rodeavam e que davam volume ao ambiente, do rítmico vuum vuum das pás do ventilador lentamente girando, ao irritante plim plim das notificações que esquecera de silenciar, aquele tinha sido o primeiro a fazê-la ter algum tipo de reação.

— Dois curtos e um, um segundo mais longo — pensou em voz alta, como se existisse mais alguém ali para escutá-la. — Nosso código.

ding dong, ding dong, diiiiiiiing dong

Forçou os músculos, imóveis por um bom tempo, e se pôs sentada na cama, tentando raciocinar se ouviu mesmo aquilo ou se eram apenas os seus sentidos a enganando.

"É ele... só pode ser ele!"

Não soube dizer se fez de propósito ou se foi simplesmente culpa de sua memória muscular, mas não importava, tudo o que queria era revê-lo. Será que sentiu sua falta? Será que desejava se explicar? Queria reconciliar-se assim como ela? Poderia simplesmente ignorar a teimosia e a insistência daquele atrás da porta e voltar a se deitar, mas a dor de cabeça só tomava proporções cada vez maiores e precisava fazer algo quanto a ela.

Poluição sonora.

Colocava os pés descalços um na frente do outro com cautela, como se temesse qualquer som provocado pelo simples contato da sola dos pés com o piso. Avistou sua silhueta, encaixando-se por entre as distorções geométricas do vidro da porta principal, e faltando pouco mais de dez passos até essa, interrompeu o fluxo. Tomou consciência do que estava prestes a fazer, e deu mais alguns passos antes de levar as pontas dos dedos inquietantes à chave já encaixada à fechadura.

ding dong, ding dong, diiiiiiiing dong

O som não estava mais abafado como anteriormente, pelo contrário, era nítido o bastante para eliminar qualquer dúvida restante de que aquilo não fazia parte de um sonho lúcido, e muito menos de que se tratava de um ato acidental por parte dele. Não sabia ao certo o que pensar disso.

O mesmo sentimento desconhecido de antes lhe invadiu o peito: uma pontada leve, mas contínua, e quanto mais a ignora, mais forte ela volta a incomodar dentro de si em forma de questionamentos, lembranças, culpa, saudade. Encostou na chave, hesitou, pensou... respirou fundo.

— Foda-se! — destrancou a porta.

Ele não aparentava estar muito diferente da última vez que o viu, na verdade, ele não aparentava estar muito diferente dela. A falta de sono era nítida e usava um de seus moletons diários, quase iguais, com exceção da cor. Então, após breves segundos de silêncio, apenas na presença um do outro, ele abriu a boca, hesitante, marcando a palma das mãos com as unhas. Ela aguardou.

— Não pensei que fosse atender... — disse, enfim. — Eu esqueci umas coisas aqui.

Moveu a porta que antes ainda cobria parte de seu corpo e se recostou a parede, abrindo espaço para a última pessoa que imaginaria passando por sua entrada tão cedo. Ia falar algo como: "Ah, claro, fique a vontade.", mas era difícil quando a sua mente não conseguia pensar em nada além do fato de que ele estava ali, dividindo o mesmo cômodo que ela, com ela, novamente.

Como de costume, adentrou, antes de tudo, com os olhos, observadores, captando todas as mudanças feitas desde a última vez que esteve naquela casa. Em sua maioria eram sutís, apenas se levasse um pouco mais de tempo excepcionando o ambiente poderia percebê-las, mas uma roubou sua atenção momentaneamente: o porta-retrato, antes com uma foto dela com ele, mostrava uma dela com seus amigos.

Poluição SonoraOnde histórias criam vida. Descubra agora