as the world caves in;

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No fim de tudo, o mundo realmente colapsou.

Não tão perto para ficarmos assustados, mas nem tão longe para não ficarmos preocupados. A ambição tomou conta e a empatia virou lenda urbana, as cidades ruíram e transformaram seus cidadãos em pó. Doenças atacaram todos e a cura, por bem dizer, não chegou aos miseráveis.

Rosa sabia de tudo isso e não sabia o porque que as pessoas ainda ligavam. Por que, em toda a história da humanidade, em todo aspecto, só nos importavamos quando já era tarde demais? Não havia necessidade de articular. Não deveria haver mais necessidade de abordar o assunto. Ele deveria ter sido entendido há muito tempo, e ela não perderia seu tempo tentando explicar o óbvio no último dia da humanidade.

Rosa abriu a lata de cerveja. Ela tinha um gosto meio estranho, e ela não sabia dizer se era porque estava estragada ou se esse era simplesmente o gosto da bebida. Nunca tinha bebido na vida, poupando o seu corpo de um vício maligno. Mas, bem, quem era ela para se importar com isso agora? Ela queria saber o gosto. Não era como se fosse viver o suficiente para estragar o fígado, de qualquer forma.

Ela encarou a cidade fantasma. Algum dia, aquilo tudo havia sido uma cidade movimentada, cheia de pessoas, jovens, adultos, idosos e crianças. Cheios de perspectivas e sonhos para o futuro. Agora, os que não estavam incinerados, em breve estariam. Ela tomou mais um gole. 

Ela encarou a casinha mais próxima dela. Era uma casa simples, de faixada branca e um simples quintal. Nele, uma pequena casinha de cachorro e comedouro para gatos. A família devia ter amado bichos, ela pensou. Ela parecia relativamente preservada, e sentindo o tempo escorrer de suas mãos, ela sentiu uma vontade inexplicável de assistir televisão. Apesar de não admitir, ela estava desesperada por um pouco de normalidade. Fazer aquilo tudo ser menos real.

Ela se levantou e, acompanhando seu movimento, o rapaz ao seu lado se levantou juntamente. Ele era alto, o cabelo loiro sujo e cheio, os olhos castanhos e a pele queimada pelo Sol. Rosa encontrou ele em algum dia de caminhadas sem rumo e, desde então, eles estavam juntos. Ela gostava de pensar que era casada com ele. Sempre quisera casar, mas como a oportunidade nunca viria, ela teria de se contentar com suas pequenas fantasias. Ela nunca tinha dito a ele, com medo que ele se enojasse e fosse embora. Sim, era melhor manter pequenas alegrias privadas.

Mas ela suspeitava que ele pensava assim dela também. Apesar de nunca ter a tocado intimamente, o que a surpreendia, ela pensava saber o que ele pensava. E ele não parecia tão diferente dela assim.

Ele agarrou sua mão e, sem dizerem uma palavra, desceram até a casa. A garota não sabia dizer se o que eles sentiam era simplesmente fruto da solidão que o fim do mundo proporcionava, ou se podia ser algo verdadeiro, profundo, um presente divino em seu curto tempo de vida. Não interessava, ela sempre se lembrava. Ela não viveria para saber. 

Quando eles entraram na casa, os móveis estavam abandonados e repletos de poeira. Ninguém estava ali há muito tempo. Ela limpou o sofá e ele abriu os armários, procurando alguma coisa relativamente comestível. Ele achou um pacote de biscoitos podres e amolecidos e uma lata de ameixas em conserva. Era ótimo.

Eles se sentaram no sofá e tentaram ligar a TV. Para a surpresa de todos, ela funcionou. Ela acreditou ser um milagre. Demorou um pouco para que o sinal funcionasse, captando um repórter em seu último dia de ofício. Ele sorriu orgulhoso para a câmera, arrumando seu cabelo uma última vez. 

Os dois se aninharam, abraçando-se como um velho casal em uma tarde juntos.

- Olá a todos! - Ele disse, a voz um pouco rouca. Talvez não tão orgulhoso assim. - Não sei quem me assiste, mas agradeço. A você, a minha equipe e a todos que me assistiram e que não estão mais aqui. Obrigada pela oportunidade de ser o entreternimento de vocês uma última vez.

Ao longe, Rosa conseguiu ouvir os bombardeios começarem. Em segundos, o fogo estaria em sua pele. Ela agarrou o rapaz mais forte e ele beijou o topo de sua cabeça. O repórter estremeceu levemente dentro da pequena tela.

- Nesses poucos segundos, eu desejo que vocês consigam descansar em paz. Que não haja arrependimentos para depois. - Ele parou de sorrir. - Para meu amor, que me amou enquanto podia. Para as minhas filhas, que deram sentido a minha vida. Por vocês, consegui sorrir todos os dias. Sinto muito, queria ter dado a vocês um mundo melhor. A todos nós.

Aquilo não bastava. Rosa levantou o rosto e encarou Helliot. O imigrante que a tinha a encontrado por acaso. O brilhante estudante de engenharia perdido e vagando por aí, encontrando a pequena Rosa murcha. Ele a encarou de volta. Lentamente, em seus últimos momentos, eles se aproximaram e se beijaram. O primeiro e último beijo deles. O primeiro e último beijo de Rosa.

- Que nos encontremos em um lugar melhor, meus amigos. Adeus.


O vilão. - parte finalWhere stories live. Discover now