NÃO COMPREENDO — declarou tante Cristelle durante o jantar naquele mesmo dia. — Se o cavalheiro faz tanta questão de ter a honra do seu
patronato, por que não a procurou pelas vias normais? Ele deveria ter pedido a um amigo que o apresentasse.
Tante Cristelle era a irmã caçula da mãe de Emeline, uma dama alta, de cabelos grisalhos, costas eretas demais e olhos azuis da cor do céu que deveriam ter um ar bondoso, mas não tinham. Nunca se casara, e, no fundo, Emeline desconfiava de que todos os homens da idade da tia deviam morrer de medo dela. A senhora morava com a sobrinha e o sobrinho-neto, Daniel, havia cinco anos, desde a morte do pai do menino.
— Talvez ele não saiba como essas coisas funcionam — disse Emeline enquanto escolhia um pedaço de carne na travessa. — Ou talvez não quisesse perder tempo com os costumes habituais. Afinal, ele mencionou que ficarão em Londres por pouco tempo. — Ela apontou para o pedaço que havia escolhido e sorriu em agradecimento enquanto o criado a servia.
— Mon Dieu, se o homem é tão deselegante e grosseiro, então nem devia se dar ao trabalho de tentar transitar pelos labirintos da sociedade. — A tia tomou um gole do vinho e então fez um biquinho, como se a bebida estivesse azeda.
Emeline emitiu um som evasivo. A análise que tante Cristelle fizera do Sr. Hartley estava parcialmente correta — o homem de fato passava a impressão de ser grosseiro. O problema era que seus olhos diziam o contrário. Ele quase parecia estar rindo dela, como se ela fosse a desavisada.
— E o que você vai fazer, eu lhe pergunto, se a moça for igual ao irmão? — Tante Cristelle ergueu as sobrancelhas numa expressão exagerada de pavor. — E se ela usar tranças que descem pelas costas? E se rir muito alto? E se andar descalça, e os pés forem encardidos?
Esse pensamento desagradável pelo visto foi demais para a senhora. Ela fez sinal para que o criado servisse mais vinho enquanto Emeline mordia o lábio para conter um sorriso.
— Ele tem muito dinheiro. Perguntei discretamente para outras damas presentes sobre suas condições. Todas confirmaram que o Sr. Hartley é mesmo um dos homens mais ricos de Boston. Pelo visto, circula pela alta sociedade de lá.
— Pff! — A tia desdenhava da sociedade de Boston.
Emeline cortou a carne com tranquilidade.
— E mesmo que sejam grosseiros, tante, certamente não podemos julgar amoça pela falta de uma educação adequada, não acha?
— Non! — exclamou tante Cristelle, assustando o criado parado atrás dela,
que quase derrubou a garrafa de vinho. — E repito, non! Esse preceito é a base da sociedade. Como vamos discernir os bem-nascidos da ralé senão pelos bons modos?
— Talvez a senhora esteja certa.
— Sim, claro que estou certa — retrucou a tia.
— Hmm. — Emeline espetou a carne no prato. Por algum motivo, tinha
perdido a vontade de comer. — Tante, a senhora se lembra daquele livro que a babá costumava ler para mim e para o Reynaud quando éramos crianças?
— Livro? Que livro? Do que você está falando?
Emeline puxou uma ponta de fita presa em sua manga.
— Era um livro de fábulas, e nós gostávamos muito das histórias. Pensei
nele hoje, não sei por quê.
Ela encarou o prato, pensativa, recordando a infância. A babá com
frequência lia para os dois irmãos do lado de fora, depois de um piquenique à tarde. Reynaud e Emeline ficavam sentados sobre a toalha aberta no chão enquanto a mulher virava as páginas do livro. Mas, à medida que a história avançava, Reynaud chegava cada vez mais perto da babá sem perceber, atraído pela emoção da história, até quase subir no colo dela, ouvindo atentamente cada palavra, com os olhinhos escuros brilhando.
Ele foi uma pessoa tão animada, tão vivaz, mesmo quando menino. Emeline engoliu em seco, alisando com cuidado a fita emaranhada em sua cintura.
— Só estava me perguntando onde poderia estar. Será que está guardado no sótão?
— Quem sabe? — A tia deu de ombros de forma muito eloquente e tipicamente francesa, sem dar muita importância ao velho livro de fábulas e às lembranças que Emeline guardava do irmão. E então se inclinou para a frente e exclamou: — Mas repito, por quê? Por que você sequer está pensando em aceitar esse homem e sua irmã descalça?
Ela achou por bem não mencionar que, na verdade, as duas não sabiam nada sobre os calçados da Srta. Hartley. De fato, o único Hartley que Emeline conhecia era o irmão. Por um momento, a imagem do homem de rosto bronzeado e olhos castanhos como café invadiu sua mente. Ela balançou a