Uma fina chuva caía ao longo da cidade de Seattle. Era inverno. O ponteiro do relógio de pulso marcava meia-noite. Era Natal e não havia pessoas na rua. A chuva escorria pelo seu sobretudo, enquanto o homem corria pelas ruas molhadas.
Seu rosto escondido pela gola do casaco denunciava um pouco de sua fisionomia, além de algumas mechas em seu cabelo que insistiam em escapar de dentro do casaco.
Sua pressa se devia mais à chuva do que qualquer outra coisa. Há muito tempo ninguém mais o esperava. Não tinha amigos nem família, em sua profissão era melhor assim. Quanto mais pessoas se importassem, mais alvos tinham em sua cabeça, considerados uma fraqueza para sua vida.
O que deveria ser uma decisão simples não deixava de ser dolorosa. Não é porque deveria ser sozinho que gostava ou queria ser sozinho. A vida era extremamente estranha e solitária, não havia amigos para aquela cerveja no final do dia ou uma garota especial para ganhar beijos doces e calorosos quando chegasse em casa depois de um longo dia de trabalho normal.
Nada em sua vida era normal.
Mal se lembrava da última vez em que estivera com uma mulher. Fazia tanto tempo que até se admirava por não sentir tanta falta. Não era pelo sexo e sim pela companhia de alguém. Era disso que talvez sentisse falta.
Sua vida até poderia ser pior se não fosse seu gato, Hércules. Gostava de chamá-lo assim porque não havia nada que ele não pudesse quebrar, e isso até soava divertido.
Em seus passos apressados, o estranho homem, pensando em seu gato, entrou em um pequeno beco que servia como atalho para sua casa e, no exato momento que a chuva engrossava, dificultando ainda mais sua visão.
Quando estava quase saindo da pequena viela, avistou uma forma estranha encostada na parede. Embora não fosse muito altruísta e raramente ajudasse alguém próximo, algo naquele pequeno amontoado chamou sua atenção.
Caminhou lentamente e com cuidado para não ser visto. Poderia até ser um monte de lixo, ou mesmo um sem-teto, afinal aquela zona não era a mais respeitável da cidade. E então o monte se mexeu.
O que se mexia nada mais era do que uma pessoa, mais precisamente uma mulher pelo que ele pode entender de suas formas, estava encolhida em um canto entre todo aquele lixo rente a parede úmida.
Longos cabelos escuros cobriam quase que todo seu corpo, braços finos e claros abraçavam seus joelhos, em um gesto de proteção talvez.
Não fazia ideia de como ela poderia ter parado ali, e daquela forma em meio aquela chuva forte. Olhou ao redor e não encontrou ninguém ou algo que pudesse ajudá-lo a entender a situação, até que ouviu um gemido.
Aproximou-se dela e se curvou. Suas cabeças próximas. Seus dedos próximos do ombro desnudo e molhado pela chuva. Quando ele a tocou, o tempo pareceu parar e nada era audível. Uma descarga elétrica passou pelo seu corpo, uma imagem passou pela sua mente, a imagem de uma espada e depois tudo voltou ao normal como se nada houvesse acontecido.
O barulho da chuva voltou a ecoar em seus ouvidos.
Com o toque, a cabeça da estranha se mexeu, virando-se para ele. Aos poucos os olhos foram se abrindo em meio aos cabelos molhados e ele viu os mais lindos pares de olhos azuis de sua vida. Eram de um azul tão intenso que ele poderia se perder neles para sempre, de tão profundos.
Um gemido escapou dos lábios rosados da moça e uma careta de dor passou pelos seu rosto, trazendo-o de volta a realidade.
– Ajude-me... – As únicas palavras que saíram daqueles lábios com uma voz baixa e suave.
Seus olhos fecharam rapidamente e o corpo tombou inconsciente para frente, caindo nos braços do homem à sua frente. Ele se despiu de seu sobretudo e embrulhou a moça desacordada. Ergueu-a no colo e, por algum motivo que até hoje lhe é desconhecido, levou-a para sua casa e não para um hospital.
Com passos rápidos, ele atravessa as ruas com o corpo inerte em seus braços. Não faltava muito para chegar em seu pequeno apartamento, talvez alguns poucos metros até que sentiu aquele pequeno monte se mexer e estacou no lugar. Olhou para baixo, aninhando-a mais ainda em seu peito. Não queria que ela sentisse mais frio do que já sentia, toda molhada num casaco mais molhado ainda.
Longos dedos tocaram a pele de seu queixo, enquanto pequenos olhos azuis se abriam para ele.
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Apocalipse: Batalha entre Anjos e Deuses
FantasyHá muito tempo atrás, um anjo ousou pecar e ir contra as ordens do Senhor. Um anjo mulher, perfeita e guerreira que descobriu um segredo e por isso, foi separada de sua alma gêmea. Condenada pelo pior crime, suas asas são arrancadas e ela é punida...