Uma Voz No Vento

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Uma Voz No Vento

            Giuliano caminhou pela sala com a madeira rangendo debaixo dos seus pés. Foi até a janela e deu uma olhada na paisagem que se abria à sua frente. Algo o chamava.

Ele era assim, tinha premonições, sensações que alguns diriam tratar de sexto sentido, outros chamariam de mediunidade, pois sentia e via coisas que ninguém mais sentia ou via. E era verdade. De todas elas, havia uma que era mais forte: ouvir o vento. Era como se o vento falasse com ele e contasse coisas que de outra forma não haveria como saber. Às vezes, ele lhe traria vozes. Se a pessoa falasse alguma coisa e estivesse ao ar livre, em qualquer lugar daquele vilarejo nas montanhas do Rio Grande do Sul, o vento lhe traria. Claro, não eram todas as conversas, graças a Deus! Mas era sempre algo que, sabe-se lá, fosse o além ou os anjos, ou Deus, nomeie como quiser, mas queria que ele soubesse. Era uma dádiva e uma maldição, porque nem sempre ele queria saber, e às vezes era só uma chateação mesmo. Mas depois de trinta e sete anos de vida, ele apenas lidava com aquilo.

            Esse "presente", vamos chamá-lo assim, era coisa de família, da família da sua mãe, que vinha da cidade de Lucca, na Itália. Todo primeiro filho vinha com algum tipo de dom, alguma ligação com o mundo espiritual que a maioria das pessoas não entendiam e que temiam a ponto de lhes acusar de tudo o que imaginar. Por esse motivo, isso era coisa que eles não contavam a ninguém, e ele, como o filho mais velho e responsável pelos seus cinco irmãos, era o mais interessado em deixar isso quieto. Não era como se ele já não tivesse muitos problemas para resolver. Além dos seus irmãos, sendo que o mais novo tinha apenas onze anos, ainda tinha uma vinícola para cuidar e administrar, o que já lhe levava quase o tempo todo, portanto não precisava de mais complicação na vida, já tendo as mãos cheias.

            Ele caminhou até o cabideiro e retirou o seu casaco. Era um dezembro atípico e aquela noite estava especialmente fria, havendo até mesmo a ameaça de geada. Giuliano fechou a porta cuidadosamente para não acordar ninguém, desceu as escadas da varanda da frente e caminhou na direção que vinha o vento.

            Ele ouvia uma voz que era sussurrada que vinha junto com ele. Claro, ele conhecia aquela voz e sabia de onde ela vinha. Caminhar pelo campo no escuro, seguindo a voz que tanto lhe seduzia quanto lhe entristecia, era se entregar ao magnetismo que os atraía, mas que, infelizmente, só ele tinha a clareza do que significava.

Ainda era cedo, ele sabia. Ele queria crer que algum dia a dona daquele doce canto sussurrado ao vento pudesse olhar para além da tragédia que a cercava. Mas infelizmente ela estava presa naquele lugar, aquele em que o luto nos coloca e nos segura até que o tempo lentamente vai nos libertando. Ele sabia disso porque também já esteve lá.

Quando seus pais morreram, com intervalos de dois anos entre um e outro, ele frequentou o quarto frio e escuro que o luto mantém a todos. Mas ele tinha seus irmãos para apoiar e cuidar e uma vinícola para administrar e isso o ajudou de certa forma. Aquela pobre mulher não tinha nada disso.

            Ana Sofia era o nome dela. Havia se mudado com o marido para aquele lugarejo há alguns anos, mais especificamente para umas terras vizinha a dele. Desde que ele a viu pela primeira vez, teve uma forte sensação de familiaridade. É como se a conhecesse há um longo tempo e estava a reencontrando novamente. Sentiu saudade.

            Giuliano caminhou pisando na grama fria, na terra que seus bisavós escolheram para abrigar a família naquele novo país, o chão que ele conhecia como a palma da sua mão e que suas pernas andavam por elas próprias, o que era sorte, porque sua cabeça estava em outro tempo. O tempo em que sentiu o perfume e ouviu a voz melodiosa de Ana Sofia que o vento trazia. Ele lembrava claramente de todas as sensações que o consumiram. O vento circulou ao seu redor e o envolveu numa carícia quente e aconchegante, com os sussurros de risadas e palavras que naquele momento, nada queriam lhe dizer, porque Giuliano se fixou no som delas, na delícia das notas musicais que o cercaram. Ele lembra de abrir os olhos e ver a mais bela criatura, com seus cabelos dançando no ar, assim como o vestido amarelo e alegre que a cobria. E lembrava de vê-la levantando a mão para tirar o cabelo do rosto, enquanto atravessava a rua da pequena cidade de Monte Belo. Sentiu uma alegria estonteante e a vontade de ir até ela e se apresentar, mas algo o segurou no lugar. Um homem se aproximou dela e a beijou no rosto. Depois segurou a sua mão e juntos entraram na loja de móveis. Eram um casal.

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⏰ Última atualização: Dec 30, 2023 ⏰

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