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Sem mais uma palavra forço minhas pernas gelatinosas a se mover em direção a porta. É inútil resistir. Brigar. Quando algo está fora do seu poder. A colina se estende a minha frente e sei que vai ser uma longa subida, considerando o quanto me sinto esgotada. Requer toda a força de vontade que guardo em mim para continuar correndo para longe da casa. De tudo que um dia já fui.

A subida é íngreme e a cada passo se torna mais difícil manter a respiração controlada. Logo ela se torna errática e meu peito queima por dentro. Fortes gotas de chuva caem na grama à medida que corro. Em um segundo estou encharcada. O peso das roupas molhadas me puxando para baixo. Meus cabelos se desfazem do rabo de cavalo e caem pesados ao redor dos meus ombros. Olho para trás. Respiro rápido, o coração batendo na minha garganta. Implorando para sair. Uma mistura de lágrimas e água da chuva se acumula em meus olhos e não sei mais o que sentir.

Já estou a uma boa distância da casa quando fraquejo. Caio na grama, sentando em cima das pernas. A chuva lava todo meu corpo. Uma náusea vem e o gosto do ácido contido em meu estômago enche minha boca. Perco todo o autocontrole que mantinha até então e desabo. Um misto de medo, apreensão e culpa transforma a náusea em vômito e deixo tudo sair. É bruto e nada bonito a forma como despejo o conteúdo do meu então café da manhã para fora.

A chuva aumenta se transformando em uma tempestade. Agarrando a grama e terra sob minhas unhas impulsiono meu corpo e levanto. Estou um lixo completo.

Junto a tempestade vem os raios e trovões. Poderosos e barulhentos. A neblina logo cobre a casa e a colina. Cerrando os olhos observo a cidade ao longe. Os carros ziguezagueando na pista molhada. As pessoas correndo a uma certa distância tentando se proteger enquanto a chuva lava tudo. Comerciantes baixam suas lonas de proteção em frente às lojas. É uma cena humana que se desenrola ao longe. Normalidade acontecendo bem ali enquanto meu mundo cai. Tão perto.

Visualizo o Big Ben, no palácio de Westminster, imponente como sempre. Mais ao longe ainda consigo ver a London Eye, a maior roda gigante em todo o mundo. Quantas vezes, quando me sentia só, caminhava até lá e sentava em um dos bancos para observar as pessoas. A vida parecia simples e real. Um raio cortando o céu chama minha atenção de volta a casa. A tempestade se intensifica junto aos raios. E a mágica acontece.

Luzes coloridas brotam das janelas abertas no segundo andar, onde fica nossos quartos e o escritório da minha mãe. Começo a pensar que a chuva e os raios são uma distração para esconder o que estão fazendo lá. Talvez um feitiço. Chego a essa conclusão quando mais luzes escapam da casa e raios cortam o céu ao mesmo tempo. No exato momento em que as luzes param; as viaturas desligam; os pingos da chuva paralisam e tudo silencia.

Então a explosão. Um estrondo que sinto até mesmo de tão longe. Estremecendo a terra sob meus tênis gastos.

Vejo toda minha vida explodir e chamas famintas devorar meu coração.

Minha casa. Minha infância. Os livros da minha mãe. As memórias. Tudo queima. Tudo se reduz a nada. A cinzas. E não me refiro só a casa. Apoio meu corpo frágil no tronco da árvore atrás de mim. O fogo lambe tudo que consegue encontrar pela frente.

John surge ao meu lado fazendo meu coração abalado acelerar de vez.

- Segure isso. - Ele me entrega o pesado livro sem nem ao menos perguntar como estou. Tremo no frio e agarro o material contra o peito.

- O que aconteceu? – pergunto enquanto meus dentes batem.

- Não podemos falar agora. Temos que partir.

- Partir? Para onde?

Sem resposta. Ele se move avidamente pelo local onde a árvore está plantada, também ensopado. A chuva aumenta significativamente, mas a árvore nos protege das chicotadas violentas do vento, levando toda a surra em seus galhos.

A Chave do Segredo Herdeira da Profecia Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora