Eu não sei como isso começou

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As coisas boas não batem na porta. Mas caralho, precisava ser tão complicado assim?! Nada faz sentido e a vida é uma merda. Bem vindo ao mundo real.
Ninguém te prepara para viver sua vida e o máximo que fazem é dizer uma história que devia ser uma lição, mas que já é muito ultrapassada para realmente te ensinar alguma coisa. Quando você tem dezenove anos, o mundo parece pegar fogo ao seu redor. Se você é um bipolar, o mundo parece te odiar. Ninguém te entende e você parece uma poeira solta flutuando por aí. Ninguém te entende e todo mundo parece saber o que é melhor para você.
Ser bipolar diz muitas coisas sobre você para as outras pessoas, principalmente que você é desequilibrado da cabeça e sempre vai ser. Como uma doença crônica, você nunca vai se livrar disso, e todo mundo parece saber disso. Você fica condicionado ao estado de dor eterno onde, mesmo medicado e controlado a meses, você ainda vai acordar uma manhã e falar: merda, aí vem aquele episódio maníaco.
Essa história começa assim. Em um episódio maníaco.
Era manhã. Fria como dezembro costuma ser em Nova York. Não estava ansioso para começar o dia. Não havia nada demais me esperando e eu não esperava nada demais do mundo, como todas as vezes. Tomei meus remédios e um banho, amaldiçoando todas as pessoas que compunham a minha árvore genealógica e eu conseguia me lembrar. Preferia não ter que iniciar meu dia em um lugar que não gostava e com pessoas que eu preferia que virassem plantas de decoração adornadas com pequenas lesmas que comiam aos poucos suas folhas.
Desci as escadas observando os pequenos padrões desenhados a mão feitos por mim na parede da sala. Talvez eu pudesse pintar de novo a pobre parede que costumava ser branca. Talvez, se eu conseguisse apagar os triângulos coloridos, a linda Grande Onda de Kanagawa pudesse tomar conta do ambiente. Sim. Azul. Eu poderia fazer isso. Eu poderia passar em alguma loja e comprar tons variados de azul e pincéis novos, mesmo meu dinheiro tendo acabado algumas semanas atrás quando paguei a minha parte nas contas e fui aquela exibição estúpida que Mary Jane falou que ia ser boa para me inspirar. Foi terrível.
— Um pouco cedo demais para você estar com esse rosto de quem odeia a própria vida, não acha?! — MJ fala com uma caneca na mão, me encarando do balcão da cozinha. Ela já se encontra pronta para passar o dia na redação, com uma calça leggin preta, coturnos, uma blusa roxa e um cardigã colorido. Seus cabelos estão presos em uma trança que cai pelo seu ombro. Ela me faz me sentir desarrumado em qualquer situação, mesmo que ela esteja de pijamas e eu de terno.
— Acho que nunca é cedo demais. — Termino de descer as escadas. Meu café já me espera na bancada, quente e em uma caneca verde de Star Wars. Bebo a primeira golada amaldiçoando a criatura que decidiu tomar café. Eu odeio café. Bebo por dependência. Meu corpo treme e eu sinto dores de cabeça quando não tomo.
— Você acha que algum dia vai gostar pelo menos um pouco de algo na sua vida? — MJ pergunta, me analisando. Ela parece extremamente deslocada em nossa pequena casa, deixada pela minha tia May para que eu a dividisse quando ela se cansou e decidiu viver sua aposentadoria viajando. Mary Jane Watson tem uma beleza fina e requintada de uma jornalista investigativa e definitivamente não deveria estar presa no Queens, tendo que trabalhar para um tablóide de fofocas para viver.
— Gostar? Duvido. — Bebo mais um pouco de café e estremeço. — Tolerar é mais a minha cara.
Ela sorri cansada. Nas últimas semanas tudo que fizemos foi trabalhar. MJ fazendo post atrás de post para alimentar a fúria insaciável de J. J. Jameson para ser número um, e eu... bom, eu tenho seguido pobres almas pelos bairros de Nova York até conseguir fotos que colocam essas mesmas almas em situações impossíveis de se explicar.
Eu odeio o meu trabalho.
Aos dezenove não é de se esperar que você tenha conquistado o mundo, mas também não devia ser um problema ter que viver uma vida que você odeia.
Eu fico rabugento de manhã.
— Vou pintar a parede da sala. — Termino a minha caneca de café.
— De novo?
— Estou cansado de triângulos.
— Tudo bem. — Ela também termina a caneca dela, agarrando as chaves em cima do balcão. — Preciso mesmo mudar a decoração da sala.
Eu me animo um pouco.
— Podemos também mudar a do meu quarto. — sorrio. — Precisamos de cortinas novas, e que tal uma estante nova?
— Tudo bem, devorador, podemos olhar algumas dessas coisas quando tivermos tempo. — MJ segura a porta da sala para que eu passe. Assim que o faço, ela tranca e vamos em direção a Betsy, o carro velho cinza descascado de MJ.

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⏰ Última atualização: Jan 12 ⏰

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