Observei ela pelo retrovisor enquanto ela caminhava pela estrada. Era alta e tinha ombros um pouco largos mas ao mesmo tempo sutis e suaves, e o modo como o jeans se agarrava à sua bunda era uma visão e tanto. Enquanto eu olhava para as costas dela, a sensação de reconhecimento permaneceu, e franzi a testa, vasculhando minha memória. Então me vi no espelho e gemi alto — minha pele tinha um bronzeado pálido de boate nada saudável, os lábios estavam praticamente tão pálidos quanto a pele, meus olhos pareciam estranhos por causa das lentes de contato azuis (eles eram castanhos mas eu preferia ignorar isso), meu cabelo loiro espetado estava desarrumado e duro. Eu era a antítese dela: ela era a mulher perfeita, enquanto eu era a menos perfeita. Desgrenhada, doentia. Bem, por que eu me importaria? Eu não me importava.Quatro minutos de estrada acidentada depois, finalmente cheguei a uma casa longa de dois andares que parecia mais uma escola ou um alojamento do que o lar de alguém. Era grande e retangular, pintada de um branco puro e impecável, com persianas verde-escuras em cada uma das janelas. Havia pelo menos três outras construções por perto e uma cerca de pedra que devia proteger um grande jardim.
Estacionei o carro na grama seca de outono ao lado de uma velha picape vermelha. Parecia que os minutos seguintes seriam monumentais, como se eles fossem decidir todo meu futuro. Sair desse carro seria admitir que minha vida era um desperdício. Que eu era um desperdício. Seria admitir que eu tinha medo dos meus amigos, medo de mim mesma, da minha própria escuridão, da minha história. Tudo em mim queria ficar no carro com as janelas fechadas e as portas trancadas, para sempre. Se eu fosse humana e para sempre significasse só mais sessenta anos, eu talvez tivesse realmente ficado. No entanto, no meu caso, para sempre realmente teria sido tempo demais para suportar. Não tinha outro jeito.
Eu tinha ido lá por um motivo. Tinha deixado meus amigos e desaparecido em um continente diferente. No avião, durante a viagem, percebi que, além de shawn ter aleijado o motorista, apesar da minha repulsa por minha falta de ação, apesar da minha paranoia por ele ter visto minha cicatriz, tinham sido centenas, milhares de outras coisas que me levaram a esse ponto, desbastando meu interior até eu me sentir como uma concha sem nada vivo dentro de mim. Eu não tinha andado por aí matando pessoas e tacando fogo em vilarejos, mas seguira um caminho destrutivo por toda minha existência, e havia percebido com uma honestidade nauseante que tudo o que eu havia tocado tinha sofrido algum dano. Pessoas se feriam, lares eram desfeitos, carros eram destruídos, carreiras eram arruinadas — as lembranças não paravam de correr como um riacho de ácido fresco pingando no meu cérebro até eu querer gritar.
Estava no meu sangue. Eu sabia. Uma escuridão. A escuridão. Eu a tinha herdado, assim como a imortalidade e os olhos castanhos. Eu tinha resistido quando era mais jovem. Tinha fingido que não estava lá. Mas em algum momento no caminho, parei de lutar, cedi a ela. Por muito tempo, corri com ela ao lado. Mas naquela noite, a escuridão que me seguia havia mais de quatrocentos anos despencava sobre mim com um peso sufocante, e agora eu odiava a coisa horrível em que tinha me transformado.
Se eu fosse uma pessoa normal, ficaria tentada a me matar. Sendo quem sou, quase tive um ataque histérico de riso quando me dei conta de que, mesmo se conseguisse cortar minha própria cabeça, não teria como fazer com que ela ficasse longe o suficiente do corpo para que eu realmente morresse. E qual era minha outra opção? Pular de cabeça em um cortador de madeira? E se ele travasse quando só metade da cabeça tivesse entrado? Dá pra imaginar o processo de regeneração disso? Jesus.
De repente, minha vida dava a sensação de que eu tinha caído de um penhasco em uma queda contínua em direção ao desespero crescente, jamais podendo ser feliz de novo. Não consegui me lembrar da última vez que me senti verdadeiramente feliz. Entretida? Sim. Animada? Sim. Feliz? Nem tanto. Não conseguia nem lembrar como era.
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Amada Imortal (G!P)
FanfictionCamila, nascida em 1551, acostumada a beber e sair para baladas cada vez mais loucas, perde o rumo. Suas conexões com outros imortais, interessados apenas em suas habilidades mágicas, a fazem partir em busca de um propósito. E o encontra em uma espé...