A última carta

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"Querida Annie,
Eu gostaria de começar pedindo desculpas por meu comportamento extremamente estranho e pelo que houve comigo. Caso esteja lendo esta carta, é porque eu não consegui fazer com que ficássemos juntos, não conseguimos ter filhos, não tivemos a nossa casa e também não nos casamos, caso esteja lendo esta carta é porque eu faleci.
Você deveria ser a primeira a me julgar, mas também a me entender. Me julgar porque eu não te esperei e não esperei o nosso ex-próximo futuro. Me entender porque você sabe o quanto era difícil para mim escutar aqueles insultos, a pressão, a agressão e porque você sabe que eu te amo.
Amor é algo muito forte e você sabe que eu quase nunca falava bem sobre ele, até que viramos amigos, lembro que você era apenas uma menina "rebelde e malcriada" em um colégio interno... E eu nunca entendi aquele seu comportamento, até virarmos melhores amigos e você me dizer que seus pais faleceram e que você mesma pediu aos seus avós para te meterem naquele colégio. No começo eu pensei 'Coitada' mas você quase me bateu quando eu ia começar a falar "Eu...", Você pensou que eu diria o típico 'eu sinto muito' mas eu não falaria aquilo, até porque eu não sentia. Se eu não os conhecia? Depois eu te expliquei "O que foi? Por que você acha que eu sentiria muito? Eu sinto por você, acho que você ficou mal, mas eu não sinto pela morte deles... Nunca os conheci.". E naquele momento você me abraçou e disse que seria capaz de se apaixonar por mim. Eu ri, te abracei, te girei e até caímos no chão, então eu ri de novo. Eu mal sabia que o que você falou já era quase verdade. Mas a culpa não foi sua se apaixonar por mim, não escolhemos quem amamos. Eu te adorava, você era minha única amiga que eu realmente confiava. Lembro que um dia você me pediu em namoro e eu disse que não podia aceitar porque te via como um anjo que não poderia se machucar e que eu não saberia como te amar e cuidar. Você disse que não se importava e então eu aceitei e me justifiquei, dizendo que você teria que me fazer apaixonar.
Quando nos formamos, seu avô já não mais existia e apenas sua avó e alguns tio e tias foram te ver. Mas eles não gostaram de mim e você disse que me amava, eu estava numa altura em que o amor começava a surgir e em minha mente só reinava a dúvida... Você brigou com seus parentes uns meses depois e eles te internaram numa clínica psiquiátrica após te verem falar sozinha. Sua avó, que não aceitava terem te internado, brigou com seus tios e teve um ataque cardíaco. Você chorou e eles te tiraram da clínica porque o último pedido da sua avó foi te tirar de lá. Nessa época nos comunicávamos por cartas e eu adorava isso, era tão clássico e antigo e você amava mais ainda.
Você conseguiu um emprego rápido e eu já estava trabalhando, mas fui demitido. Nessa época, meu pai começou a me agredir, me denominar inútil, desgraçado e tudo isso porque eu perdi o emprego que ele gostaria de ter, como engenheiro.
Então eu virei professor de música, mas meu pai pagava homens para me agredirem. Você morava na sua própria casa, mas haviam seguranças que te acompanhavam para ver se você não 'enlouquecia'. Então houve a nossa última noite, a sua tia (a que era lésbica) te ajudou a passar uma noite comigo sem os seguranças te verem fugir e então eu tirei de você a sua inocência, foi uma noite inesquecível. Depois disso te internaram em sua própria casa com médicos e você os obrigou a me deixar ir te visitar. Mas com um tempo eu não pude mais ir, eu trabalhava muito e mais homens contratados me agrediam, até que eu os denunciei à policia e os insultos e agressões pararam por um tempo. Porém eu estava tão destruído e não conseguia mais ir até você, eu sentia sua falta e eu te tirei da sua casa e fomos para uma no meio de uma floresta. Consideraram sequestro e você negou, mas disseram que você sofria da síndrome de Estocolmo, eu consegui sair da prisão depois de um ano porque viram que era um engano. Quando voltei para minha casa, vi que tinham inúmeras cartas suas no correio e li todas, até que houve o dia em que parti. Ou seja hoje, hoje fui até sua casa e vi que você tinha se mudado, fui rever as cartas e vi que você tinha me avisado. Fui até sua nova moradia e não me deixaram entrar, vi você pela janela e você estava numa cadeira de choque. Foi aterrorizante, principalmente porque não pude te ajudar. Depois passei em uma farmácia, comprei uns remédios, fui à praia em que sempre íamos e vi uma barraca que vendia cigarros, comprei Marlboro Light (o seu preferido). Então cheguei em casa e peguei uma corda que havia lá já há algum tempo, tomei os remédios e as drogas, me enrolei na corda que não estava tão presa e comecei a te escrever até me sentir ficar sem ar. Me perdoe por minhas letras estarem estranhas, meus braços estão adormecendo. Me perdoe pelas manchas de lágrimas, eu choro por não aguentar mais.
Eternamente seu,
Dominik.
P.S.: Te deixo as alianças que marcariam o nosso casamento."

Terminei de ler a carta que foi encontrada junto com o corpo de Domink... A história dele e de Annielize sempre me deixou comovida e ela era tão perfeita. Bem, meu nome é Elena, sou neta de Annielize e Domink, sou escritora de romance e o meu livro "A última carta" foi transformado em um filme, a história fala sobre a vida da minha avó Annie e do suicídio de Dominik que não conseguiu ver o nascimento da sua filha. Minha mãe, Katherina, é filha de Annie e morava com Lux (a tia lésbica da história), quando Annie saiu do hospício, após a morte de seu tio, Lux devolveu Katherina à Annie e depois de muitos anos eu nasci morando com minha avó, mãe e pai (antes de sua morte aos meus 4 anos de idade). Eu sempre adorei a história entre Annie e Dominik e minha avó sempre me apoiou na escrita e deu a permissão para 'publicar sua vida'.

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