Capítulo I

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— Acorde Lady Anelise, já amanheceu. — Minha serviçal invade o quarto abrindo as cortinas, deixando a luz do sol adentrar o ambiente e penetrar minha face.

— Claro Léia, irei levantar. — Respondo um pouco sonolenta lutando para me sentar na minha cama, espaçosa o suficiente para caber pelo menos um time de vôlei sem aperto algum. Um grande exagero, se quer saber da minha opinião.

— Seu pai solicita sua presença no jardim. — A criada informa enquanto coloca uma bacia com água gelada ao lado da minha cama, juntamente a um pano para que meu rosto fosse lavado.

— Avise que estou um tanto quanto indisposta essa manhã.

— O Conde nos orientou que sua presença é obrigatória. — Duas criadas entram no quarto parando ao lado da porta.

— Claro que as orientou. — Sento cabisbaixa na ponta da cama olhando fixamente meu reflexo na água da bacia. Olhos verdes, lábios rosados, cabelos longos e avermelhados, quase que em um tom de rubi, e uma pinta embaixo do olho esquerdo. Não era uma visão ruim, na verdade era belíssima, quase que uma pintura renascentista, porém aquela não era eu, meu lugar não era ali.

Não me lembro com clareza da minha aparência ou da minha antiga família, já se passaram tantos dias desde que reencarnei no corpo de Anelise que a última lembrança que tenho da minha vida passada é uma manhã quente demais para um dia de outono, dentro de um trem num dia absurdamente importante. Lembro-me de verificar meu relógio, o ponteiro marcando 08:21am, faltando apenas 39 minutos para a realização da prova que iria decidir meu futuro acadêmico, quando do nada meu celular vibra.

ALERTA DE TERREMOTO

E então tudo estremeceu. Aconteceu de forma tão rápida que parecem flashes. Me recordo das luzes se apagando, dos gritos ecoarem pela estação inteira, de trocar olhares de desespero com uma jovem de uniforme escolar por baixo de um suéter de tricô amarelo, e por fim do trem virar fazendo minha cabeça bater com força contra o banco e tudo apagar. Então acordei como Anelise, a vilã do meu livro favorito.

Mergulho minhas mãos na água fria da bacia, trazendo um pouco em direção ao meu rosto na intenção de espantar os pensamentos intrusivos sobre uma vida passada que talvez eu nem tivesse a chance de recuperar. Ao que parece eu morri durante o desastre, porém esperava que fosse reencarnar em um bebê ou algo assim, não dentro de uma história fictícia, e para piorar, no corpo da personagem que tem um destino tão trágico quanto o que eu tive.

— Seu banho já está pronto, miLady. Por favor, nos permita ajudá-la a retirar sua camisola.

As criadas me despidem com gentileza e rapidez, aparentemente já acostumadas a esse tipo de serviço. Entro na banheira e fecho os meus olhos enquanto uma das serviçais limpa minhas costas com um tipo de esponja que mais parecia uma bucha vegetal.

Claro que não agi com naturalidade e calmaria quando acordei nesse mundo. Quero dizer, quem ficaria tranquilo descobrindo que acordou no corpo de uma jovem que não tem mais que um ano de vida? Foi um grande choque para mim, acabei entrando em pânico ao perceber minha situação atual e tudo o que quis fazer foi chorar até não aguentar mais. Tudo o que sacrifiquei na minha juventude foi em vão? Morri antes mesmo de cursar a universidade? Irei para a guilhotina em alguns meses? Todos esses pensamentos me consumiam com voracidade... Por que de todas as pessoas eu tive que acordar como Anelise? Foi então que percebi que essa poderia ser a minha segunda chance de obter um final feliz. Eu poderia tentar mudar o meu destino e finalmente aproveitar minha vida de forma digna. E eu não iria perder essa chance, não novamente.

Depois de finalizar meu banho e as criadas ajudarem a me vestir, desço as escadas caminhando em direção ao jardim de nossa propriedade. Meu pai que me esperava em frente a estufa, acenou com uma das mãos quando me viu chegar. Eu me aproximo e faço uma pequena reverência.

— Bom dia meu pai. O senhor queria me ver?

— Bom dia Liz, está atrasada. Precisamos conversar. — Ele indicou uma das cadeiras de jardim para que eu me sentasse e sentou-se na cadeira à frente. — Acredito que você já sabe do que se trata a nossa conversa.

— Papai, eu gostaria de dizer que eu não...

— Anelise, nós já conversamos sobre isso. Eu só queria informá-la que daqui a quatro dias, você irá morar temporariamente no palácio para que possa organizar os detalhes do casamento com a rainha após o baile de aniversário do príncipe. Espero que se porte bem e não envergonhe o nome da sua família.

— Mas pai, eu não quero me casar com ninguém. Por favor, me deixe ficar. Eu não quero...

— Já chega Anelise Alexandra Bargalli, isso já está decidido. Eu sei o que é melhor para você. Sem discussões desnecessárias. Você certamente será feliz, acredite. Você não encontrará ninguém melhor do que o futuro rei de Langares.

Eu me levantei da cadeira bruscamente com os olhos marejados. Eu sabia o que aconteceria caso eu me casasse com o príncipe, e era isso o que eu mais temia. Abri a boca na tentativa de dizer algo mas não consegui. Senti um nó se formar em minha garganta me impedindo de contestar algo a mais e a única coisa que consegui fazer foi fugir dali o mais depressa que pude. Quando chego na parte vazia do jardim, paro ofegante e respiro fundo tentando trazer o ar de volta aos meus pulmões e acalmar minha respiração. Eu precisava me controlar, não conseguiria nada sendo emotiva e irracional. Depois de alguns minutos, me recomponho e começo a caminhar na intenção de por as ideias no lugar. Estava andando tranquilamente quando de repente, um garoto magro, de mais ou menos doze anos de idade, com uma boina marrom e roupas surradas esbarra em mim com força, me fazendo cair de bunda nos arbustos.

— Aaaah, seu fedelho idiota. Olha por onde anda! Que droga, tem como esse dia ficar pior?

Quando estava tentando tirar a grama dos meus braços, notei que ao meu lado tinha um gato preto me observando atentamente. Me levantei limpando a terra do vestido e o encarei de volta.

— O que você quer? Tá olhando o que?

O gato apenas continuou me olhando curioso e então miou como se tivesse respondendo algo.

— Eu não estou tendo um bom dia hoje, tá bom?! Eu preciso tomar uma atitude sobre o meu destino, mas parece que meu poder de persuasão está em baixa. Não sei o que fazer...

Sinto-me derrotada, como se meu destino estivesse cravado em uma pedra e nada que eu pudesse dizer em forma de descontentamento fosse ser capaz de mudar algo. Foi aí que o gato começou a ronronar e se esfregar na barra do meu vestido, como se estivesse tentando me consolar.

— Desculpa ter descontado em você, gatinho. Apenas não sei qual ação devo tomar agora... A cada dia meu tempo diminui e estou me sentindo tão impotente. — O gato senta de frente para mim e mia enquanto me observa intrigado. Me agacho e acaricio o topo de sua cabeça — Tem razão. É cedo demais para desistir! Preciso me esforçar e ter esperança... Afinal, meu futuro só depende de mim, não é mesmo? — Me levanto, aceno para o gato e volto para dentro. Peço às criadas para que meu café fosse servido na biblioteca e, vou em direção à mesma com o propósito de iniciar um plano de sobrevivência, até porque, não é fácil sobreviver na nobreza sem ter nenhum tipo de poder.

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