Relâmpagos

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Para Hayuka.


Dezembro de 1995

Três meses depois do assassinato de Maureen Prescott.

Woodsboro, Califórnia
00:13 - sábado

Era uma das raras noites em que Tatum dirigia no meio da chuva, uma mão no volante e outra no copo de café quente. Woodsboro não era uma das localizações mais cruéis no inverno, entretanto, Tatum era incapaz de se acostumar com a sensação dos dentes batendo e a falta de mobilidade dos casacos grossos.

A essa hora da noite, em um dia comum, ela estaria aconchegada em seus cobertores e aproveitando a tranquilidade de um sono bem dormido. Sair em uma sexta-feira no frio? "Não, muito obrigada, eu gosto de estar comigo mesma". Todavia, dessa vez ela tinha um bom motivo. Um motivo que a moveria para longe de qualquer sossego, levando-a direto para o meio de uma nevasca, se fosse preciso.

Dessa vez, graças aos, literais, céus, ela não teve que tirar à prova. Mas a tempestade era ruim o bastante.

Seus súbitos de preocupação com Sidney a deixavam cada vez mais angustiada. Desde a morte de Maureen, Sidney tem vivenciado os estágios do luto de um modo doloroso de assistir. Tatum presenciou cada um de perto. Sua mão sempre esteve apertando firmemente a de Sidney em cada situação torturante que a outra estivesse passando.

Agora, ela está vivenciando os ciclos dela e compartilhando da dor. E, cacete, que dor.

A negação agiu de cara pela primeira vez quando Sidney continuava afirmando que sua mãe "retornaria em alguns dias". Ou quando ela deixava de ir a lugares que "sua mãe não havia permitido". Ela surpreendeu a todos quando começou a agir como se nada tivesse acontecido, num estado pós choque em que estava quase psicótica.

— Não vai dar hoje, Stu. Quinta-feira é noite de filmes com a mamãe, lembra?

A raiva foi tão péssima quanto. Sidney se via disposta a culpar qualquer um que ousasse tocar no tópico. Os depoimentos dessa época lhe renderam uma péssima atenção midiática; e a primeira vez que ela tentou socar um jornalista, mas acabou errando. Gale Weathers merecia um acerto épico. 

Uma Sidney que mandou a mídia se foder em TV aberta, uma Sidney com a honestidade fria que Tatum admiraria se ela não estivesse tão infeliz.

A barganha de Sidney tentando negociar com a própria dor era menos dolorosa de assistir. Quem não se importava tanto podia dormir tranquilo, pois ela saía e virava todas à noite enquanto reprimia a própria dor para chorar antes de dormir. Tatum era para quem ela sempre ligava, aos prantos.

Tatum soube que algo tinha mudado para sempre quando viu Sid com as mãos sujas do sangue de sua própria mãe. Seu rosto estava tão devastado que Tatum quase não a reconheceu. Parecia um holograma criado por seus piores pesadelos: aqueles em que Sidney Prescott sofre.

As memórias são borrões, tão nítidas quanto a estrada escura adiante.

— Ai meu Deus... Sid, o que aconteceu? — Seu primeiro impulso foi abraçá-la. Um impulso estúpido, pois alguém em estado de choque não reconheceria afeto. — Sid.

— Minha mãe...

A falta de palavras ia deixar ela desesperada. "Tatum, paciência e calma, tem sangue, tem sirenes. Se tem policiais a coisa não é boa."

— Eu não consigo lembrar da última coisa que minha mãe me disse antes de eu ir dormir. — E ela, finalmente, começou a chorar.

Ela estacionou, diante da propriedade que agora frequentava constantemente. Antes, visitar Sid era algo a se preparar minuciosamente. Verificava com perfeccionismo o que levaria consigo, iria garantir que cada centímetro de suas roupas parecesse impecável. Faria e refaria e maquiagem por horas.

Macarrão com Queijo | SidtateOnde histórias criam vida. Descubra agora