Contos de Terrarossa: O Carrasco de Avellana

54 15 21
                                    

Existe uma linha tênue entre a realidade e a verdade embaçada por um conceito complexo que elude a cognição das massas chamado de perspectiva. A noite na capital do reino de Terrarossa, Avellana, mantinha sua temperatura comumente agradável, uma característica constante na região eternamente abençoada pela primavera. A lua crescente brilha de forma deslumbrante no céu estrelado, banhando as casas e construções de alvenaria predominantemente branca com uma suave luz esverdeada, afinal, era a cor lunar que indicava a estação primaveril no mundo de Illyria. Um rapaz de cabelos castanhos bem curtos e ajeitados, barba simetricamente cerrada e traços quadrados anda pelas ruelas mais suspeitas da capital mal iluminada em direção a uma casa no subúrbio onde ele já avistava um grupo de soldados da guarda real pairando na frente da porta de entrada com expressões enojadas. Ignorando um dos soldados que vomitava em um arbusto próximo, ele se aproxima de outro que disfarçava mais compostura e pigarreia antes de começar a falar.

- Soldado - Ele chama a atenção do homem primeiro e logo acena com a cabeça em cumprimento. - Investigador Harkett, a central de inteligência me enviou para cuidar do caso.

- Outro? Você não é muito novo pra isso? - O soldado responde com um olhar duvidoso, mas suspira e aponta a porta da casa com o olhar. - Que seja, quanto antes tirarem isto das nossas mãos, melhor.

- O que pode me dizer sobre o ocorrido? - Harkett ignora a pergunta sobre a idade, já estava acostumado com tais questionamentos. - Crime comum ou de natureza mágica?

- O Carrasco de Avellana, não temos dúvida - O homem responde prontamente tentando esconder com dificuldade o tremor que passa pela espinha quando pronuncia aquele nome.

- De novo? É um absurdo, até quando vão permitir que esse assassino continue solto na capital? Isto deveria ser um trabalho para os feiticeiros, não para nós - O investigador pensa alto enquanto cria coragem para ver o que havia por trás da porta da modesta casa de tijolos trincados.

- Boa sorte, então, até parece que os nobres vão colocar seus feiticeiros de estimação para resolverem algo enquanto nenhum deles estiver em perigo - O soldado retruca com um ar de desprezo.

As artes mágicas em Illyria eram uma raridade, mas principalmente um artigo de luxo para os grandes nobres. Feiticeiros eram praticantes da magia regulamentados pelos governos das quatro grandes nações, eles eram supervisionados e serviam as famílias mais abastadas de cada região. Ao contrário deles, os bruxos eram feiticeiros que não aceitavam as regras impostas e muito menos tinham alguma intenção de passar a vida servindo aos interesses da nobreza. Embora não exista uma diferença fundamental entre feiticeiros e bruxos, aqueles que se submetem ao sistema são venerados e os que se opõe são caçados, resultando em uma guerra de séculos entre os dois grupos de magos.

Depois de alguns minutos tomando coragem para o que veria, o investigador passa pela porta do casebre de um único cômodo e respira fundo ao notar seis dedos humanos decepados no chão logo na entrada, um rastro de sangue entre eles seguia mais adiante até uma mesa velha de madeira que estava virada no chão. Ele repara que havia artigos cosméticos espalhados pelo piso, escovas de cabelo, trajes íntimos femininos em cor vermelha, mas o cadáver logo próximo era masculino. Se um casal vivia ali e só havia um corpo, onde estaria o outro? A vítima estava presa na parede por diversas facas de cozinha e pedaços de madeira que provavelmente vieram dos móveis quebrados. Pela força com que cada objeto o segurava firme na parede de tijolos, certamente o agressor tinha usado algum tipo de magia, uma pessoa comum não teria capacidade de realizar o feito. Pela estatura e tipo físico, o investigador consegue determinar que a vítima devia regular de idade com ele, no início de seus trinta anos, o corpo ainda vestia uma camisa de algodão simples e calças de fibra de juta, um dos materiais mais baratos para tecidos na capital. O mais desconcertante era o rosto da vítima que estava completamente liso como o de um boneco sem expressão - não havia olhos e nem sequer espaço para eles, o nariz estava fechado em seu formato e os lábios simplesmente não existiam, era como olhar diretamente para a face de um boneco de cera derretida.

Contos de Terrarossa - O Carrasco de AvellanaOnde histórias criam vida. Descubra agora