Esfrego as mãos para me livrar do pó acinzentado que cobria o aparelho de som amarelado. Os ácaros ficam visíveis graças aos feixes de luz calorosos que invadem as cortinas translúcidas. Desenrolo o fio do microfone de mesa. Fugia do contemporâneo, contudo, em mãos, incrementava a lamúria condescendente particular da nostalgia.
Um suspiro sincero e mais uma dose de gás carbônico para a atmosfera. Cedo ao chão com descuido, martirizando a pele das minhas costas com os adornos pontiagudos do móvel que me escoro. Penso no que vou dizer. Não gosto de toda essa emoção. É poética; mas congela minha razão. É uma inspiração tão comovente que mais parece um trem bala, percorrendo quilômetros em uma velocidade sobrenatural, sem te deixar ver a paisagem na janela. No final do dia, eu me sinto um pouco patética, contudo, tenho mais um registro de amor para não enlouquecer.
Minhas mãos transpiram ao redor do plástico do microfone, e tenho de limpá-las constantemente na saia longa e branca. O silêncio é estranhamente audível, e percebo que não me lembrei de ligar o gravador de bobina. Até mesmo o clicar dos botões era anacrônico. Os motores zumbem providos da mecânica que movimenta as fitas. O ruído me cativa tal como uma canção de ninar, e penso que seria conveniente o adotar como hábito — ou antídoto para minha insônia.
Não sei por quanto tempo me hipnotizo com a frequência, mas colho o momento certo de falar:
"Hoje à noite, Adrien, eu enviarei o brilho de um vagalume para algum lugar perto da sua janela, então fique atento. E se não o encontrar, ah... São muitas promessas para só querer te mostrar que eu te amo."
"É! Isso quer dizer que eu te amo."
"Como pude eu... ser tão sortuda! De conhecer alguém como você... Ah, se estivéssemos juntos agora... Eu sinto sua falta, Adrien."
"Eu escrevo bastante sobre você também, além das vezes em que sento para falar de você. Mas as palavras que estão no meu diário, não!, não posso as contar. Não posso contar todas elas a você."
Pauso para recuperar o fôlego e me acostumar com meus lábios sequiosos. O ar abraça o início do vespertino fielmente, carregando sua friagem singular. O fūrin anuncia a passagem de Bóreas, o vento do norte. Ele, porém, não se demora. Deixa um beijo cálido na minha bochecha e se vai.
Imagino que possa ser uma das orações dele.
Fecho os olhos e deixo a cabeça pender. Ainda lembro do nosso primeiro beijo. De quando ele correu atrás de mim na areia densa da praia e fraquejou nos joelhos, segurando os babados da minha saia.
— Deixei meus tênis para trás. Provavelmente já estão enterrados na areia e nem mesmo a visão de uma águia vai me fazer os encontrar — Adrien falava aos sopros enquanto recuperava a postura. — Marinette, eu preciso dizer. Preciso te contar o quanto eu te amo, meu amor.
Enquanto dizia suas últimas palavras, me tomava em seus braços, em todos os sentidos possíveis. Segurando minhas bochechas com tanto afeto, nossos lábios se encontraram pela primeira vez. Eu me recordo bem de apertar a areia embaixo dos meus pés para confirmar a veracidade da situação.
Mas assim como letras escritas na areia da praia, onde o mar sempre as leva, você se foi. Para bem, bem longe.
"Adrien..."
"Eu sinto sua falta novamente e sinto ainda mais..."
"E eu espero que essa noite, muito para além de uma luz de um vagalume, você tenha uma boa noite de sono."
"O vagalume é só porque eu te amo."
Toco a botão duro da bobina. É barulhento demais, e consigo ouvir todo o maquinário até o estalar da última peça. A sensação de desonra me assombra agressivamente, mas dobro o microfone de mesa e me levanto. Ignorar é a única opção, porque não há como voltar ao passado. Não há como consertar o que perdemos. Não há como destruir a saudade.
Passo a mão pelo parapeito de madeira, sem temer as farpas. Curiosamente, a árvore em frente a minha varanda está seca, sem folhas, mas vejo o primeiro vagalume da noite. Ele se aproxima, receoso. Dá uma volta na minha pilastra e aspira as flores que estão por cuidar penduradas na parede. Então, se vai. Para muito longe, e não volta mais.
Eu espero que ele o tenha recebido.
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Gravador de Bobina
Short StoryNaquele carretel, Marinette desejou mais do que uma boa noite de sono para o seu primeiro amor.