Slap! Senti meu rosto arder com o estalido de um tapa forte, abri lentamente primeiro um olho e depois outro, a imagem desfocada em frente a mim se tornando nítida.
Aquele rosto nem que ficasse cega eu me esqueceria dos detalhes: os olhos castanhos cor de mel me fitando, antes quando jovem, lindos, agora frios pelas mortes que carregavam. Os cabelos loiros curtíssimos, o rosto duro, descorado, sem vida.
Deus, como isso pode acontecer, eu não morri? Não escapei desse demônio? Minha garganta ardia como se eu tivesse engolido linguetas de fogo e eu tentava falar a primeira coisa que vinha a minha cabeça, mas a minha voz saia em um fio esganiçado.
- Caio...
- Você tinha falado pra ele ficar em casa, mas o moleque teimoi,. deu uma de otário e voltou pra brincar na rua, na hora que os caras do Pedrinho chegaram pra tentar me quebrar. – Josias disse balançando a cabeça, dando muxoxo, como se o meu filho fosse o culpado do que aconteceu com ele.
- Ele mo... – Não tive coragem de completar o meu pensamento, meu filho de oito anos, com uma vida inteira pela frente, morto? Era no mínimo uma brincadeira de muito mau gosto do destino. Enquanto eu continuava aqui, de frente aquele diabo, era ele que tinha que morrer ao invés do meu filho... Ou então eu, que não consegui defender o garoto desse pai de merda.
- A vizinha da esquina falou que viu os caras arrastando ele, na hora que o meu pessoal partiu pra cima no fuzil, eles devem ter passado o menino pra se vingarem de mim, aqueles otários que tentaram me derrubar, estão nos procurando até agora. Sabe quando eles vão tirar o comando da Vila Matilde de mim? Nunca, são burros demais. Vitor nos ajudou a sair de lá, ficou cheio de pena de você, "coitadinha da Maria", eu que não caio nessa conversa fiada, ele pensa que eu não percebo que ele quer te passar a pica, roubar minha área, até que enfim ele fez algo que prestou. Arranjou um carro da funerária e nos trouxe pra esse hotel. Eu levantei uma grana pra gente poder sair da cidade, já tá tudo certo, nós vamos pra Porto Alegre, até essa poeira abaixar, daqui a pouco eu volto, pra beber o sangue desses filhos da puta.
Eu tentava concentrar no que Josias falava, mas minha mente só dava voltas, como um caleidoscópio insano, um torvelinho desgovernado: Meu menino indo brincar com os coleguinhas, aqueles miseráveis gritando com ele, fogos, sorrisos e algazarra de feliz ano novo, tiros e tanto choro. Será que torturaram meu garotinho ou tiveram um pouco de piedade e lhe deram uma morte sem dor? Como é possível alguém ser tão cruel e matar uma criança? Mas esse mundo do crime é tão bárbaro, as regras e valores são tão tortuosos que eu desconfio que o fizeram sofrer muito: Guerras pelo poder, uma mísera pedra de crack, um pino de cocaína ou um cigarro maconha vale mais do que a vida de um inocente que mal teve oportunidade de dar os primeiros passos neste mundo estranho em que vivemos...
Eu me encolho na cama e choro, furiosa por não ter ido com Caio, implorando a Deus que pelo menos me respondesse por que fez isso comigo e me deixou aqui, pra ver esse verme falar da morte do próprio filho como se não fosse nada. Por que eu não fui mais forte e fugi daqui assim que Josias me espancou pela primeira vez e usou meu corpo, naquela noite no beco, quando eu chegava da escola? Tantas perguntas sem resposta, tanta raiva... De mim, de Deus, do destino, mas principalmente dele, o "Príncipe moreno" da Vila Matilde, montado na sua moto envenenada, armado de fuzil HK, entorpecido pelo pó.
Enquanto eu chorava, ele tirava a roupa sem pressa, com um sorriso torto no canto da boca e meu coração gelou ao pensar o que ele pretendia com aquele olhar asqueroso.
Eu me virei de lado e cubri o rosto para não lhe dar o prazer de me ver chorar, mas ele sentiu que me atingia e quebrou o ultimo fio que me restava de dignidade e amor próprio, entreabrindo minhas coxas e se enfiando no meu ânus em uma estocada só.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Sinfonia de amor
RomanceSegundo conto da série Paixão foliã. Uma só noite... E dois destinos entrelaçados! Angela é uma jornalista em início de carreira, que esconde nas profundezas da alma, dores difíceis de esquecer. Hiroshi Katsumo está vivendo o auge da fama do univ...