Capítulo Único

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O véu da noite se estendia pelo céu de Nova Primavera denunciando o final de mais um dia.

Em seu quartinho Ramiro observava pela janela um conglomerado de nuvens impedir que as estrelas participassem daquele espetáculo noturno, até sua amiga lua estava escondida de forma acanhada, uma premissa de que a leve garoa que caía no momento logo mais se transformaria em uma chuva pesada sobre a cidade, molhando as lavouras e encharcando a terra; esperava que os caminhos até sua casa não ficassem tão difíceis, seu Kevinho havia prometido ir lhe ver aquela noite e temia que as estradas ficassem perigosas e o menor se machucasse.

 A possibilidade do outro se ferir, ou pior, já está ferido, caído em algum buraco pelo caminho, desacordado após escorregar em algum poça que pudesse já ter se formado - mesmo que com aquela fina garoa fosse praticamente impossível tal acontecimento - causava calafrios no peão, o nervosismo o fazendo sair da posição em que se encontrava, sentado na cama, e passar a andar em círculos pelo pequeno espaço, tentando afastar seus pensamentos nebulosos.

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Quando após duas horas a chuva caia incansavelmente, com direito a trovões estrondando de forma tão alta que mais parecia estarem sendo projetados bem ao seu lado e raios causando clarões no céu, Ramiro já estava praguejando baixinho e sentindo sua respiração começar a falhar e as mãos suarem, não que tivesse medo de tempestades nem nada do tipo, mas ainda ainda não havia tido notícias de Kelvin e isso o deixava preocupado, o fazendo criar os piores cenários possíveis, assim como tinha feito mais cedo naquela noite.

Uma parte sua desejava que o pequeno tivesse desistido de ir até ali por conta da chuva e só houvesse esquecido de comunicar a decisão tomada, mesmo que isso não fosse de sua personalidade; ao mesmo tempo sentia seu coração doer, como se estivesse se partindo, ao se permitir ter tais pensamentos. Não queria que nem por segundo seu pequetito esquecesse de si! Só a mera menção a qualquer distanciamento do jovem lhe causava uma intensa comoção interna, relembrando instantaneamente do período em que ficaram separados por conta da carreira do menor e sua ida ao estrangeiro: Era como se seu sangue se transformasse em gelo e corresse por suas veias o petrificando.

Cansado de permanecer naquela agonia resolveu fazer algo a respeito.

 Decidido a falar com o amigo varreu o quarto com o olhar a procura de seu celular, o encontrando na mesinha de cabeceira, ao lado de um livro de poemas e um jarro com flores do campo multicoloridas que o cantor havia organizado sobre o móvel com a desculpa de que o maior precisava de um toque de cor e delicadeza em seu quartinho para que assim pudesse ter um ponto de paz e suavidade em que focar quando entrasse em crise e ele não o tivesse ali de imediato, por mais que fosse por pouco tempo, pois sempre que o peão precisasse Kelvin largaria tudo e iria ao seu encontro para confortá-lo.

 E sendo sincero consigo mesmo, Ramiro amava ter o toque do menor em suas coisas. 

Seja na organização dos móveis, de suas roupas - que o menor havia tomado a liberdade de organizá-las por cor em um momento de tédio enquanto o outro tomava banho - ou até das surpresas gastronômicas, seja no café da manhã, almoço ou jantar, que ele vinha se aventurando em aprender a preparar.

Tais pensamentos arrancaram um pequeno sorriso do homem negro enquanto ele pegava o aparelho, seu dedo em questão de segundos deslizando pela tela à procura do número do menor, ao mesmo passo em que se questionava se discar o número que tinha gravado em sua mente não séria mais fácil.

Ramiro foi tomado por uma angústia ainda maior no que, ao invés de ser atendido pela voz aveludada do menor do outro lado da linha, recebeu como retorno a mensagem eletrônica de que o número discado estava fora de área ou desligado. 

Aconchego [EM REVISÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora