O silêncio é um tormento

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Isso é pra você que conhece minhas palavras. Você sabe exatamente sobre o que falo.

Hoje quero abrir meu coração.

Finjo pra todo mundo. “E aquela história?”, me perguntam; “Ah, eu já estou bem, não sofro mais”, então abro o melhor dos meus sorrisos e empurro aos meus olhos o mais alegre dos brilhos. O sorriso de quem superou uma história conturbada e o brilho no olhar de quem sente alívio por não sentir mais nada. Mentira. Talvez eu seja uma boa atriz. 

Ainda estou no mesmo lugar em que você me deixou; no mesmo restaurante, sentada na mesma mesa e comendo a mesma comida. Estou sentada na cadeira que me dá a visão da porta na esperança de que você entre por ela, sorria para mim e se sente comigo, que coma junto de mim um penne al limone acompanhado de um vinho branco. Eu não entendia muito de vinhos, você sim, inclusive trouxe um de Barcelona para comemorarmos em uma ocasião especial – a gente só não contava que ela seria para celebrar sua vida depois daquele acidente na rodovia, próximo às 11 da manhã de 21 de dezembro.

Eu estava dormindo e acordei por volta das 11h50 (sempre levantei tarde, você sabe, isso ainda não mudou), peguei o celular e me assustei com uma das suas mensagens na notificação: “mas agora está tudo bem”, o que? O que estava bem? Abri correndo o aplicativo e me deparei com fotos do seu carro todo amassado no acostamento. Meu coração deu um nó, quase parou; fiquei tão assustada, Carlos! Você estava vindo para casa e tinha me pedido um bolo de cenoura com cobertura de chocolate… Mas fiquei tão aflita e nervosa que me esqueci e só queria que você chegasse logo. Queria te acolher nos braços e sentir seu cheirinho, porque lembro que você não podia falar ao telefone naquele momento e eu me encolhi na cama pensando nas possibilidades do que poderia ter acontecido. Imaginei por um tempinho como seria minha vida sem você, e doeu tanto, amor! Agarrei seu travesseiro e agradeci aos deuses pela sua vida. Eu acredito em tudo, você sabe; não sei bem a quem agradeci, mas talvez todas as entidades se uniram para ouvir minha prece.

Quando voltou para casa depois de horas, quase beijei os pés do taxista que o trouxe em segurança. Te abracei como nunca e mergulhei no seu perfume; sentir sua mão firme acariciando meus cabelos foi tão… Não sei explicar, talvez fosse como sentir o que é renascer. Naquela noite, cozinhei para você e a todo momento te olhava lá, ajustando o volume do som na caixa de música da sala de jantar ou brincando com o Bugado, o gato que você nem quis mais saber depois que foi embora. O Bugado sente sua falta e eu também. Depois, dançamos juntos à alguma balada que não me lembro qual, segurando nossas taças com o vinho que você trouxe e que também não me lembro o nome. A garrafa ainda está guardada em algum lugar do meu armário, a gente não quis jogar fora, mas acho que você nem se lembra mais dela.

Sabe, Carlos, não é como se eu não tivesse tentado. Depois que você foi embora, sofri um tempão, chorei um rio inteiro e meu coração doeu como dói um dedo que se martela sem querer. Me envolvi com outras pessoas, fui para festas, viajei e cresci muito no trabalho. Tive noites ótimas com homens e mulheres, me apaixonei de novo por alguns meses, mas existe um lugar inalcançável que só consegue ser atingido por você. Vivo meus dias normalmente, não penso nisso por horas incontáveis nem tenho a crença de que nunca mais encontrarei outro alguém, porém com certa frequência – preocupante, eu diria –, me sento na minha cama e sinto o mundo pesar sobre meu coração. É quando tiro minha máscara e me vejo de novo sentada naquele restaurante, ocupando a mesma mesa do canto e de um ângulo que me permita ver a porta esperando que você passe por ela. Ainda estou lá.

Me vejo sentada com a postura ereta, vestindo uma gola alta preta e com o rosto estático, um olhar vazio que, se olhar com atenção, é possível enxergar as memórias dançando dentro da minha íris castanha. Estou na mesma posição e com a mesma expressão, mas o tempo dos anos passa ao meu redor: as pessoas mudam, andam, se sentam e se levantam, riem, se movem, conversam; os garçons aparecem, servem e tiram minha mesa, sempre o mesmo prato de penne al limone, sempre a mesma taça de vinho branco disposta ao lado direito da louça branca. Os anos passam à minha volta e tudo fica diferente, inclusive meu cabelo – solto, comprido, mais curto, preso com uma franja, uma mecha descolorida na lateral. Muda o meu rosto, passando o tempo por ele: a expressão mais amadurecida exibindo os primeiros sinais dos trinta. Tudo muda como se eu estivesse numa gravação time lapse, até meu cabelo; só não muda eu. Continuo sentada esperando por você. Sabe quão desesperador é ver o tempo passar e saber que uma parte sua ainda está parada no mesmo lugar? Me sinto congelada e não sei dizer bem se a culpa é mesmo sua.

No mesmo lugar | Carlos SainzOnde histórias criam vida. Descubra agora