✘ me before us.

como eu era antes de nós

Eu nunca fui um cara muito sociável.

Desde mais novo, eu evitava qualquer coisa e qualquer situação que exigiria falar ou interagir com outra pessoa. Nunca tive muitos amigos, a não ser Seungcheol. Seus pais trabalhavam e moravam lá em casa, então acabamos nos aproximando e nos tornando amigos. Queria que ele tivesse estudado na mesma escola que eu, talvez eu não me sentiria tão sozinho e rejeitado. Enfim, vocês não estão aqui para me ouvir — ler? Não sei como isso funciona, Soonyoung tentou me ensinar, mas ainda fico confuso — reclamando da vida. Tenho uma história para contar.

Meu pai é dono de uma franquia de restaurantes muito renomada no país. Quase todas as cidades tinham uma filial dele. Em resumo, o homem é bastante rico. Casou-se com minha mãe e teve dois filhos que são o orgulho dele. E eu. Minha gravidez não foi planejada, tanto que meu pai quase implorou para minha mãe fazer um aborto, pois ele queria ter apenas dois filhos, esse era o "plano" dele. Pois é, gente, ele tinha meio que planejado a vida inteirinha dele, e, infelizmente, minha existência não constava em sua lista. Aquilo o deixou louco. Porém, mamãe negou até o fim, ela não queria interromper a gravidez. Meu pai nunca escondeu seu desgosto, nem mesmo acompanhou a esposa na sala de parto. Os únicos lá eram meus avós maternos e meus irmãos.

Depois que nasci tudo piorou. Qualquer coisinha que eu fizesse era motivo para meu pai surtar comigo. Nunca recebi um elogio vindo dele. Minha relação com meus irmãos era razoável, eu era mais próximo do meu irmão mais velho, ele sempre me defendia quando podia, mas tudo acabou quando ele entrou na faculdade. Meu irmão do meio fingia que eu não existia, assim como meu pai. Daí para frente, meu pai ficava me comparando com meus irmãos, me dizendo o quão inútil eu era. É, minha infância foi difícil. Piorou quando entrei na adolescência e descobri que era gay. Só de pensar em falar para meu pai sobre minha sexualidade me causava crises fortíssimas de pânico. O único que me ajudou durante todo esse processo foi Seungcheol, o qual contou para mim que era bi. Já éramos próximos antes, mas depois dessa troca de confidências, nos aproximamos mais ainda.

Entretanto, os ataques de meu pai nunca paravam, na verdade, pioravam. Minha mãe até adoeceu com o clima horrendo que ficava em casa. Por causa disso, eu e ela tivemos uma conversa séria e resolvemos que seria melhor eu me mudar. Sendo assim, aos meus 13 anos fui morar com meus avós maternos numa cidadezinha no interior. Seungcheol foi comigo, ele insistiu. Ainda bem, pois, não sei se conseguiria passar por tudo o que passei sem ele ao meu lado. E então, lá fui eu estudar numa escola totalmente diferente, numa cidade totalmente diferente. Se eu estava nervoso? Até tive úlcera na época. Difícil. Pareço bem tranquilo falando dessas barbaridades, mas posso garantir para vocês que não foi nada tranquilo. Eu só me acostumei, eu acho. São apenas memórias agora.

Ok, chegamos na parte que vocês estavam esperando.

Demorei um mês para me acostumar à nova rotina. Foi tenso no início, mas Seungcheol me apoiou em tudo, então consegui me recuperar. Foi durante o intervalo das aulas, enquanto eu comia meu lanche, quando um brutamontes caiu em cima de mim. Minha bandeja de comida deu uma cambalhota e sujou tanto a mim quanto aquele cara gigante. Ele ficou possesso de raiva e começou a gritar comigo, me xingando e falando da minha altura — sério, nem para ser mais original, vai falar logo da minha altura? Eu devia ter dado um murro nele. E nem foi minha culpa! Eu estava quietinho no meu canto, comendo minha comidinha sagrada, quando aquele doido tropeçou em seus próprios pés de pato e se espatifou em mim. Eu era a vítima! Desculpem, me exaltei. Ok, me acalmei agora. Onde eu parei? Ah, sim. Eu estava assustadíssimo, pois ainda não tinha digerido o que acabara de acontecer. E, particularmente, eu odeio que gritem comigo. Meu corpo inteiro treme e eu sinto uma vontade imensa de chorar. Tanto que eu ia chorar, mas ele me salvou.