Martinha

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Era pra ser uma thread fofa, só um "imagina só" pra dar uma mudada nas energias de hoje, mas me empolguei um pouquinho. Não é nada muito pretensioso, só acabou que vai ter dois capítulos, e tô postando logo o primeiro pra tirar de vez da cabeça e seguir em frente com a historinha curta, pra eu poder sair do hiperfoco e trabalhar em paz. 

Boa leitura ♥

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Julinho sempre foi uma criança marrenta. Desde seus primeiros anos, era perguntador e cheio de ideias, e não sossegava enquanto não conseguia todas as respostas que precisava no momento. Bem por isso suas professoras falavam, era um dos mais inteligentes da escolinha de bairro onde estudava, precisava se arriscar mais numa escola fora dali. A família era pobre, a mãe e o pai se matavam de trabalhar, e depois de todo o trabalho que tiveram com Camila, a mais velha, ouvir tanto isso era até uma esperança. Sabiam que iam precisar se apertar um pouco mais em tempo e dinheiro, mas não podiam perder a chance. Deram um jeito de levar o menino para cursar o terceiro ano do ensino fundamental em uma escola pública maior, de fora do morro.

A mudança deu um certo trabalho no início. Julinho tinha um jeitão meio desbocado, e isso lhe rendeu algumas reuniões escolares e suspensões. Aprendia muito das bobagens que ouvia os garotos mais velhos falar pelos cantos quando descia pra quadra do morro pra jogar bola. Eles diziam que agora que ele estudava no asfalto, tinha que aprender a andar posturado e ser esperto pra falar com a galera de lá. Não abaixar a cabeça, mostrar sempre que está melhor que eles, mesmo que pra isso precisasse meter um caô. Julinho era tão inocente que quando falavam em "ostentar mulher", ele confundia com o carinho afetuoso que recebia de mulheres em geral e espalhava por aí que até suas tias e professoras eram "afim" dele.

Isso rendeu boas risadas para os garotos mais velhos, que aos poucos foram ensinando ao menino que estavam falando de pegar mulher, de beijar e fazer várias outras coisas que ele fazia de conta que entendia do que se tratava, só para não parecer burro e não continuarem rindo dele. Essa parte, pelo menos, ele aprendeu bem; mentia que pegava metade das meninas da escola só reproduzindo as mesmas coisas que ouvia os meninos falar. Falar do que não sabia rendia umas boas surras em casa de sua mãe, mas arrancava risadas de orgulho do pai. Isso, e ainda o ajudava mesmo a se enturmar e ser popular tanto com os meninos da quadra quanto com os da escola.

Mas a verdade é que namorar, só namorou mesmo a Martinha. Começou quando tinham oito anos, um namorinho bobo, de segurar na mão, fazer trabalhinhos juntos e trocar lanches na escola. Os pais dos dois achavam fofo. O pai de Marta, dizia que era bom acompanhar o namorinho de perto. A mãe morava perto do morro, então aproveitava para levá-los para se visitar e brincar na praça de vez em quando. Os pais de Martinha estavam se separando havia pouco tempo, e a companhia de Julinho estava fazendo muito bem à menina. Ele também gostava muito dela. Martinha tinha cheiro de cereja. Tinha um longo cabelo castanho sempre enfeitado com lacinhos dos lados, e uma coleção de vestidos e saias rodadas. Seus olhos marrons e expressivos eram tão meigos que deixavam Julinho encantado, e era uma das poucas meninas sobre as quais ele não tinha coragem de falar todas as bobagens que aprendia com os meninos da quadra.

Eles foram crescendo, e o namorinho também foi se transformando junto. No aniversário de dez anos, a menina teve festa lá no play do condomínio do pai, e Julinho foi convidado. Ela o chamou para dançar, e ele a achou tão linda girando em seu vestido verde e sombra lilás pintando as pálpebras, sorrindo para ele o tempo todo, que sentiu uma palpitação no peito até então desconhecida. Paralisou no meio da pista, só pra assisti-la balançar as ondas dos cabelos escuros de um lado para o outro no ritmo da música. Julinho não sabe de onde tirou a ideia ou como tomou coragem, mas segurou a menina pelas duas mãos para dançar também. As mãos estavam suando, mas ele não soltava. E no meio da dança, só disse "vem cá!", e puxou-a até as escadas da saída do play. Foi ali, escondidos dos adultos e com a música abafada, que ele descobriu o gostinho de morango do brilho labial de Martinha, bem no selinho que deu na menina.

JulinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora