Reflexões

Quem somos sem a nossa memória

O tratado sobre a 'memória' inicia-se ao conceituá-la, estendendo-se até valorizá-la. Arrisco, como um pintor batizando a tela, a teorizar que viver é lembrar; sem recordações, não vivemos. Aquele que não constrói memórias perece, perdendo-se no tempo.

A memória é uma malha sem lógica, às vezes pertencendo a outros quando compartilhamos ou recebemos lembranças. Notamos que, ao lembrar algo para alguém, nos tornamos o espectador, não mais o protagonista.

Ela é maravilhosa e extraordinária, mas também traiçoeira, lembrando o que queremos esquecer e esquecendo o que desejamos lembrar.

Memória é conhecimento, lembrança afetiva, mas pode ser cruel. Constrói quem somos, nos molda, nos assola ou nos conforta.

Sem ela, seríamos uma carapaça de momentos sem valor. A lembrança pode nos prender, mas também nos ensinar a sair desse poço. Se esquecer fosse solução, Alzheimer não seria uma doença.

Não podemos seletivamente nos lembrar sem propósito. Liberdade não é transitar entre lembrar e não lembrar, mas decidir qual memória nos molda.

A memória é construção, e se descontentes, é pela perda de lições valiosas. "Temos tempo demais para lembrar de tudo, e pouco tempo para não lembrar de nada. Suas memórias não moram no passado; são um quadro pintado no presente, visitado ao longo da vida."

Alegre-se com as memórias, boas e más. Se puder rir, ria; se não, chore. Mas nunca deseje não se lembrar; a memória nos faz, e nós fazemos novas memórias.

Ignorar más lembranças é como acidentar um membro. Comece como imaturo, passe pelo pessimista, entenda como otimista e viva como sábio. Não pule estágios; é um processo, como uma coreografia.

Viva, sinta, lembre-se. Nem sempre haverá uma história para contar. Sem sua memória, resta apenas uma carapaça de momentos, formada pela aleatoriedade da vida.

Balance ao vento, dance sua valsa e seja implacável. Viver o hoje é o presente, pois o amanhã é incerto demais para gastar energias.