O escritor no poço das lamentações

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Na penumbra de seu refúgio literário, onde as chamas das velas vacilavam como almas errantes à procura de redenção, Edgar, o escritor atormentado, debatia-se contra as correntes de sua própria desventura. A frieza do inverno lançara seu manto gélido sobre a paisagem, mas o frio que o abraçava emergia de uma nascente mais íntima. Folhas de papel vazias jaziam sobre a escrivaninha de madeira nobre, como pétalas desprendidas de uma árvore da tristeza, enquanto o tique-taque do relógio ecoava como o pulsar solitário de um coração nas trevas do silêncio sufocante.

Entre sombras dançantes, o escritor, envolto em um roupão desbotado e cabelos desgrenhados, lançava-se em busca de inspiração, como quem busca ar em um abismo de melancolia. Canetas exauridas e papéis amarrotados ornamentavam o ambiente, testemunhas silenciosas de uma derrota iminente. A madeira do assoalho gemia sob o peso de sua agonia, como se soubesse os segredos de seu tormento. Janelas cerradas permitiam apenas tênues fios de luz penetrarem, lançando sombras esguias sobre as prateleiras de livros empoeirados. Naquele santuário de melancolia tentava desentranhar sem sucesso os segredos de seu próprio abismo interior.

Desceu as escadas em passos vacilantes, ao penetrar no porão, o escritor deparou-se com uma porta esquecida, cujas dobradiças rangiam como sussurros perdidos no tempo. Ao abri-la, uma corrente de ar gélido beijou-lhe o rosto, e a escuridão, voraz, devorou seus sentidos. O desconhecido aguardava, um abismo enigmático que prometia não apenas refletir suas lágrimas, mas também submergi-lo nos retiros mais profundos de sua própria angústia. À beira do precipício entre sanidade e loucura, ele se inclinou para a escuridão, desconhecendo que, ao fazê-lo, estava prestes a desvelar um reino onde as sombras da realidade e da ilusão se entrelaçavam como amantes proibidos.

Ao mergulhar nas águas turvas, o escritor sentiu-se sugado para um abismo de escuridão. A queda parecia interminável, sua mente distorcendo a percepção da realidade e transportando-o para além do tempo e do espaço, onde as leis da física e da lógica se desfaziam diante de seus olhos pasmos.

Ao final da descida vertiginosa, encontrou-se em um mundo sombrio e fantasmagórico, onde monumentos decrépitos se erguiam como testemunhas silenciosas de uma história a muito esquecida. Corredores sinuosos se estendiam à sua frente como veias pulsantes em uma criatura viva, iluminados por uma luz pálida que lançava sombras dançantes sobre as paredes corroídas.

À medida que explorava a desolação, testemunhava vislumbres de vidas passadas, a névoa densa pairava no ar, sussurrando histórias de sofrimento e desespero. Almas perdidas vagavam pelos corredores estreitos, seus rostos empalidecidos, marcados pelo tormento e pela agonia eterna, enquanto suas vozes ecoavam lamentos.

O escritor tornou-se um espectador involuntário das tragédias diante de seus olhos.

Enquanto Edgar avançava em direção ao centro, erguia-se diante dele uma figura sombria e enigmática, cujos olhos brilhavam com uma intensidade sobrenatural. Era como se estivesse diante do próprio guardião do lugar. A figura grotesca crescia na frente dele como se fosse engoli-lo, mas o que o deixara ainda mais perturbado era a criatura pequena e cheia de angústia que jazia deitada sobre o terreno inóspito.

Ophelia, sua esposa, balbuciava palavras incompreensíveis através dos lábios ressecados, as mãos frias e trêmulas buscavam desesperadamente os braços de seu amado. Edgar, apavorado, esticou os braços em um gesto, como se desejasse arrancá-la da presença da criatura monstruosa. As lágrimas de Ophelia, vertendo dos olhos azuis cristalinos, formavam uma pequena poça de lamentações no chão. Edgar congelou, quando de súbito recordou -se de sua própria criação "O Poço das Lamentações", um lugar obscuro, nos recantos mais sombrios de sua própria alma. Naquele instante, ele compreendeu que, para escapar do poço teria de fazer uma escolha terrível. Edgar precisaria escolher entre sacrificar a alma de sua esposa ou permitir que a criatura lhe arrancasse seu bem mais preciso; as palavras.

Ophelia permanecia presa na dança macabra entre os braços de Edgar e a presença sinistra da criatura que se erguia diante deles. Seus lábios emitiam murmúrios angustiantes, como um canto fúnebre entoado por almas condenadas. A criatura, nascida das profundezas do seu próprio abismo, observava-o com olhos ardentes, faminta por uma decisão que selaria seus destinos.

De volta ao aconchego sinistro de seu escritório, Edgar encontrou-se diante da última página de sua obra. A caneta, uma extensão de sua vontade trêmula, dançava sobre o papel. Ao mergulhar na tinta negra da caneta, o escritor delineou o clímax da história que tecia, agora não apenas narrador, mas também protagonista de sua própria saga. As palavras fluíam como um rio incontrolável, cada uma se materializando como um fragmento de sua própria alma, cada frase uma expressão gravada a ferro em seu próprio ser. A última linha do manuscrito delineou-se como um suspiro final, um eco distante de sua própria voz: "Nas entrelinhas, sou o eco de mim mesmo, onde a linha é tênue, sou escritor e personagem, narrador e protagonista. Tudo o que resta é a incerteza... ".

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⏰ Última atualização: Feb 28 ⏰

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