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Quando completou 15 anos, Tulinho viu sua vida mudar para melhor.
Sua relação com os pais enquanto estava preso dentro de casa, não era a melhor.
Ganhou a liberdade de um cartão de crédito e um aparelho celular.
Mudou de escola e conheceu novas pessoas, que o respeitavam e pareciam muito legais.
Tulinho soube que gostava de Bruno no exato momento que bateu os olhos nele e Bruno também havia achado o ruivo muito bonitinho, motivo suficiente para chamá-lo para se juntar ao seu grupo de amigos.
Preso no mundinho não tão perfeito dentro dos muros do condomínio, tinha a impressão de que não conhecia realmente o mundo. E ao entrar para o grupinho animado do primeiro ano do ensino médio, viu que as pessoas eram muito além da superficialidade que exibiam.
As novas amizades de Tulinho fizeram Renata respirar aliviada, pois acreditava que novos rostos poderiam fazer o filho deixar de lado a amizade com Julinho. Já estava cansada de ter o inconveniente em todos os momentos importantes do filho. E foi pensando nesse afastamento que começou a permitir que Tulinho saísse mais e até fosse sozinho para os lugares.
Com Julinho a coisa não era muito parecida. Continuava na mesma escola, conhecendo as mesmas pessoas, também havia ganhado um celular, mas o dinheiro usado para suprir suas necessidades vinha de seu próprio trabalho.
Trabalhava no comércio do tio e recebia alguns trocados, que costumava guardar para alguma emergência ou para quando queria ver Tulinho.
O que foi o caso quando o amigo lhe mandou uma mensagem, o chamando para uma festa na casa de um novo amigo.
Não estava muito animado para ir à uma festa cheia de almofadinhas metidos, mas fazia um tempo que não conseguia uma folga para ver Tulinho, então saiu cedo de casa para chegar na hora marcada na festa.
Tulinho estava esperando o amigo do lado de fora da casa e abriu um grande sorriso ao ver a figura alta – e agora mais forte – andando em sua direção.
Deu uma corridinha e se impulsionou, pulando no colo de Julinho que, já acostumado com os abraços calorosos do amigo, o girou no ar.
— Que saudade, Ju — Tulinho murmurou, ainda o apertando.
Julinho revirou os olhos, mas não conseguiu segurar o sorriso ao ser chamado de “Ju”. Detestaria que qualquer outra pessoa o chamasse assim, mas Tulinho tinha licença para fazer qualquer coisa sem lhe causar qualquer aborrecimento.
— Também tava, tudo bem? — colocou o ruivo no chão.
— Aham e você?
— Cansado, peguei mó trânsito pra chegar aqui
— Ah, me desculpa — Tulinho se sentiu culpado por não ter dado dinheiro para, pelo menos, o amigo pagar um carro por aplicativo — Eu pago seu carro de volta, tá bom?
Julinho negou, mas Tulinho sabia que cederia em algum momento.
— Vamos ficar aqui fora ou...? — Julinho sorriu e Tulinho despertou, percebendo que estava apenas parado olhando para o amigo, parecendo um bobo.
— Ah tá — Tulinho deu uma risada sem graça — Vem, quero te apresentar pro pessoal
— Nossa, tô animadíssimo para conhecer os outros almofadinhas da sua escola nova — Julinho carregou a voz de tédio.
— Eu juro que eles são pessoas legais, eu juro
— Vamos só ver...
Tulinho puxou Julio para dentro da casa de Luana, ambos sendo atingidos pela iluminação fraca e música alta.
Julinho se deixou ser levado entre as pessoas até um grupinho que se divertia junto.
— Olha ele aí, o famoso Julinho — alguém comentou, atraindo a atração do grupo para os recém-chegados.
— Gente, esse aqui é o meu amorzinho de quem eu sempre falo pra vocês, o Julinho — Tulinho sorriu, apontando para o amigo e Julinho se sentiu estranho por gostar de ter sido apresentado daquela forma.
— Oi, Julinho, solteiro? — uma loira sorriu.
— Meu Deus, Berenice, você não perde tempo — um garoto respondeu — Liga pra ela não, amigo. Aliás, Bruno, mas as pessoas só me chamam pelo sobrenome que é Boer — o rapaz se apresentou.
Julinho não era tímido, mas não sabia como agir diante daqueles olhares. Havia percebido que aquelas pessoas eram importantes para Tulio e não queria se comportar mal ou envergonhá-lo.
Também queria observar se Tulinho estava sendo bem tratado. Após tempos difíceis na escola anterior, Julio ficou preocupado com o amigo em um ambiente novo e como não podia estar por perto, queria se certificar que ninguém ousaria tratar mal seu melhor amigo.
— Tulinho, você bebe? — a garota que tinha dado em cima de Julinho perguntou.
— Hum, eu nunca... nunca bebi antes, Berenice — Tulinho negou com a cabeça.
— Quer experimentar um shot? — mostrou a garrafa com uma bebida azul que não parecia nada leve.
Tulinho olhou para Julinho, talvez buscando sua aprovação.
Julinho quis dizer não, proibir Tulio de tocar em qualquer coisa que fizesse mal à saúde posteriormente. Mas Tulinho já vivia em um castelo de vidro onde nada nem ninguém podia se aproximar demais, era uma das primeiras vezes que estava vivendo como um adolescente normal, precisava experimentar as coisas. E estaria lá para garantir que Tulio fosse ficar bem.
— Tu pode experimentar um pouco e cuspir se não gostar — Julinho se inclinou pra falar no ouvido de Tulinho, que assentiu e aceitou a bebida, virando tudo de uma vez e se engasgando um pouco no processo.
Sentiu tudo o que o álcool proporciona, não achando tão bom no primeiro instante.
— Não é a coisa mais agradável, mas a bebida é gostosa — falou para Julinho.
— Não bebe muitos, um atrás do outro, ta?
— Tá bom — Tulinho concordou.
— E bebe água também
Continuaram ali na roda, rindo e conversando sobre diversas coisas e Julinho percebeu a diferença gritante entre os assuntos dos amigos de Tulinho e seus próprios amigos. A diferença era gritante, mas sabia ter jogo de cintura para não ficar por fora do assunto.
— Gente, vamos brincar de cartão do beijo? — a garota que Julinho havia decorado o nome, Luana, sugeriu.
— Cartão do beijo? — perguntou ao pé do ouvido de Tulinho.
O ruivo puxou o amigo de canto, onde não tinha muito barulho de conversa.
— É uma brincadeira que você coloca o cartão na boca e passa para a boca de outra pessoa. Se o cartão cair, vocês tem que se beijar ou você pode assoprar o cartão propositalmente, se quiser beijar alguém — Julinho assentiu, dando a entender que havia compreendido a brincadeira — Ei Ju, você me ajuda?
— Com o que exatamente?
— É que... hum, eu tenho vergonha, mas... — Julinho observou Tulinho ficar vermelho.
— Fala, tu nunca teve vergonha de me contar as coisas
— É que eu queria beijar o Bruno, mas eu tenho vergonha e tipo, eu nunca beijei antes
— E como posso te ajudar com isso?
— Sei lá, me dá uma dica, qualquer coisa. Você beija mais gente que eu
Julinho deu risada.
— Eu não sei, beijar é uma coisa que acontece de forma muito natural, é só beijar
— É só beijar? Essa é sua dica, Julio?
Julinho deu de ombros.
— Tu só vai saber beijando, não posso fazer muito. Você queria o quê? Que eu te beijasse pra você treinar? — Julinho riu, sentindo-se esquisito por cogitar e ainda verbalizar aquele pensamento.
Tulinho olhou para a boca do amigo, imaginando como seria tocar aqueles lábios com os seus. Seria bom?
Quando estava a um passo de aceitar aquela loucura, Nando os chama atenção.
— Aí, cês vão jogar?
Tulinho assentiu e Julinho o seguiu até a roda.
Julinho percebeu o amigo frustrado por não ter ficado ao lado de Bruno e decidiu fazer algo para mudar aquilo.
— Boer, a gente podia trocar de lugar?
— Ta, mas por quê? — Bruno franziu a testa, dando risada.
Julinho não acreditou que iria dizer aquilo, mas era tarde demais, as palavras deslizaram de sua boca:
— Quero ficar do lado da Berenice
Assobios e gritinhos bestas invadiram o lugar e Bruno trocou de lugar com Julinho, ficando ao lado de Tulio.
O cartão começou a passar de boca em boca, chegando à Tulinho e o menor virou para passar o cartão para a boca de Bruno.
Julinho se viu tenso, não querendo que o cartão caísse, mas torcendo que a vontade do amigo fosse atendida.
Bruno foi quem assoprou o cartão, com um sorrisinho no rosto.
— Opa — ele deu de ombros, se aproximando de Julinho para beijá-lo.
Julinho desviou o olhar no mesmo instante que as bocas se encontraram.
Tulinho foi ansioso para aquele beijo, sentindo tudo dentro de si tremer, o coração batendo muito forte no peito. Afinal, gostava de Bruno, não era?
Pelo menos, era isso que pensava.
A ansiedade do primeiro beijo estava ali, mas era só isso.
Não estava eufórico, não sentia nada. Era Bruno ali, mas parecia ser uma pessoa desconhecida qualquer.
Sentiu algo murchar dentro de si. Queria sentir aquilo que sempre ouviu, as borboletas no estômago, a sensação de que fogos de artifício explodiram atrás de si, o coração batendo tão forte que poderia ser audível, mas não sentiu nada.
Terminaram o beijo com um selinho e Bruno continuou passando o cartão para a próxima pessoa.
Tulinho procurou o olhar de Julinho que, mesmo se sentindo esquisito ao ver a cena, levantou os polegares em um sorriso falso de animação.
O ruivo mostrou um sorriso xoxo de volta, muito desanimado e sem saber o que fazer com toda a expectativa que criou. Será que era o álcool?
O cartão enfim chegou em Berenice, que pegou o cartão com as próprias mãos antes mesmo de virar para Julinho.
Tulinho sentiu o estômago queimar quando viu Julinho a beijando tão intensamente. Queria aquilo também.
Um bolo se formou na garganta quando observou o braço de Julinho ao redor da cintura de Berenice, as mãos dela na nuca dele, em um beijo que pareceu encaixar bem até demais.
Será que era mesmo o álcool?
Respirou fundo algumas vezes, se sentindo estranho.
Mordeu o lábio inferior quando este começou a tremer sozinho e piscou os olhos quando sentiu a ardência familiar de um choro.
Quando o beijo finalmente terminou, Berenice estava toda sorridente, assentindo veementemente quando perguntada se Julinho beijava bem.
O auge para Tulinho foi quando a menina olhou para ele, exibindo mais dentes do que o necessário e falou:
— Tulinho, obrigada por tudo, viu?
Todos na roda riram, menos Julinho e Tulinho, que se sentiam muito estranhos.
A roda foi reorganizada, todos trocaram de lugar e Tulinho sentiu as palmas das mãos suarem ao ver que estava ao lado de Julinho.
Quando o cartão chegou até eles, Tulinho se apoiou instintivamente no ombro do amigo, ficando na ponta dos pés para alcançar a boca com mais facilidade.
Torceu para o cartão cair bem ali, pois não tinha coragem de assoprar. Mas o maldito cartão nem sequer fez menção de cair.
Mesmo assim, com algo entre seus lábios, Tulinho sentiu o corpo inteiro levar um choque e a barriga gelar. Teve vontade de sacudir as mãos e até dar uma risadinha, mas se controlou.
Julinho sentiu uma imensa vontade de cometer uma loucura e se virar para beijar Tulio. Mas aquilo era uma loucura, não era?
Assim que a rodada acabou, Tulinho cutucou Julinho com delicadeza.
— Podemos ir embora?
— Claro, mas aconteceu alguma coisa?
— Não, não aconteceu nada. Eu só tô cansado e acho que o álcool me fez enjoar um pouquinho — mentiu.
— Tá bom, tu vai ficar bem — garantiu antes de fazer um carinho inconsciente no ombro de Tulinho — vamos nos despedir dos teus amigos e eu te deixo na tua casa, ta?
— Não, Julinho, vai ficar longe pra você voltar pra casa
— Não vou te deixar sozinho passando mal, tu bebeu. Pouco, mas bebeu
Um sorrisinho surgiu no rosto de Tulinho, achando fofo aquele cuidado do amigo com ele.
Se despediram dos amigos de Tulio e entraram no carro que já os aguardava do lado de fora.
Foram em um silêncio esquisito até chegarem na portaria do condomínio.
— Moço, pode deixar a gente aqui mesmo — Tulinho pediu, já descendo do carro.
Julinho fez a mesma coisa, estranhando o comportamento do amigo.
— Tulio, o que tu tem?
— Nada, eu só tava enjoando no carro
— Tá querendo vomitar?
— Não... — negou com a cabeça — Vem, vamos
Esticou o braço enganchando a mão na curva do bíceps de Julio, como costumavam fazer quando estavam andando por aí.
— Eu não sabia que tu gostava de meninos — Julinho começou.
— Nem eu
— E como tu descobriu?
Tulinho deu uma risadinha.
— Eu não sei, foi muito natural. Quando vi, tava querendo beijar o Bruno e... não pensei demais, só soube
— Hum... — Julinho murmurou, não queria comentar sobre aquele beijo especificamente.
— Isso é um problema pra você? — Tulinho perguntou preocupado.
— Claro que não, Tulio. Porra, até parece que tu não me conhece
— Ai, desculpa, eu não entendo muito sobre sair do armário, não sei quem é aliado ou inimigo
— Óbvio que eu sou aliado, né? Meu Deus — Julio deu risada, parando juntos na frente da casa de Tulinho.
— Te passei um dinheiro no pix, vai com cuidado pra casa e me avisa quando chegar lá, tá bom?
Julinho revirou os olhos quando Tulinho falou sobre o dinheiro, mas sabia que o amigo mandaria o dobro, caso ele devolvesse o valor.
— Eu aviso, sim, pode deixar
Tulinho sorriu e esticou os braços, ficando na ponta dos pés para abraçar o amigo.
Se sentia mais em casa ali do que dentro da própria residência e, em um ato natural até demais, ambos se afastaram do abraço prontos para juntar os lábios.
As bocas encostaram e encaixaram perfeitamente em um selinho longo, mas carregado de carinho. Julinho até desconfiou que Tulio havia ronronado.
Tulinho abriu os olhos e imediatamente se afastou. O que estavam fazendo?
— Ai, meu Deus — foi só o que saiu da boca do mais baixo — Ju, eu...
— Tá bom — Julinho o cortou, também muito nervoso — Você bebeu, foi coisa do álcool
— É, era isso que eu ia... — riu desconfortável e apontou para a porta de casa — Eu vou só...
— É, vai pra casa — Julinho concordou, sentindo o peito queimar.
Observou Tulinho entrar em casa e ficou uns segundos parado ali mesmo.
Passou as mãos nos cachos e soltou uma respiração que parecia presa.
— Caralho... — murmurou, ofegante.
Do lado de dentro da casa, ainda encostado na porta, Tulinho mal sabia qual sentimento deixava tomar conta.
Estava assustado, eufórico, animado e preocupado, mas também estava feliz.
Sentiu aquilo que ansiava sentir com Bruno.
As borboletas, os fogos de artifício, tudo pareceu se encaixar perfeitamente naquele beijo que, apesar de ter sido muito mais bobinho do que o que deu com Bruno, parecia ter sido o melhor beijo de sua vida.

ALGO PARECIDOOnde histórias criam vida. Descubra agora