Queijo.
Meu cabelo estava cheirando a queijo pela décima vez ao dia, meu avental tinha chocolate belga por toda parte e meu celular não parava de vibrar. Pego o celular e vejo que era apenas backup do WhatsApp, tão previsível.
Amarro meus cabelos que insistiam em cair daquela droga de touca de algodão, eu me sentia idiota, mas todo mundo é meio idiota aos dezoito anos. E lá vou eu, em minha ilustre vida de garçonete da rua onze.
Nunca descobri o nome daquela rua, mas eu sabia que era a rua do meu pesadelo.
Fico lá existindo a espera da cliente de sempre, me chamar para fazer o seu pedido de sempre.— Eu quero um croissant de frango com bastante queijo- sim, eu sabia que ela iria pedir exatamente isso, ela sempre pedia isso. Agradeço a tecnologia de hoje por me oferecer a possibilidade de anotar pedidos por aplicativo, o que me poupa tempo. Entro na cozinha e vejo a correria de sempre, mesmo que não tivesse tantos clientes no restaurante a esse horário.
— Cleó, pedido da mesa 10 já está pronto.— Maria me impede de falar alguma coisa e me empurra uma bandeja com caipirinhas e duas lagostas enormes.
— A senhora do croissant estar aqui.— Eu falo e ela retruca.
— Já sei, com bastante queijo, não é?— Ela fala de forma divertida e eu sinto vontade de revirar os olhos pela felicidade dela.
O dia se passa rápido, olho mais uma vez para o reflexo cansado da garota que tinha sonhos, eu ainda tenho sonhos, mas nenhum deles fazia sentido no momento. Lavo meu rosto e pego meu celular. Nenhuma mensagem em grupos, nenhuna mensagem individual, mas tinha uma mensagem do Nico Ávila."Achei o papel pra faculdade, obrigado"
Essa mensagem me fez sorrir como uma pessoa carente. Entro no Box e sento na privada e respondo a mensagem dele. Nico. Tento me lembrar dele por um tempo, trocamos mensagens desde ano passado após o fim do ensino médio, ele teve a grande sorte de não precisar trabalhar após o ensino médio. E eu, tive o azar de não passar em nenhuma faculdade e precisar trabalhar rápido demais.
Digamos que os problemas com pai ausente me fizeram uma garota problemática. O Nico era ainda mais problemático que eu, presumo. Mas pelo menos ele sabia exatamente o que ele queria, eu nunca soube.Jogo os sacos pretos de lixos na cacimba nos fundos do restaurante, e sigo até o fim da rua onze, hoje fiz hora extra, não sei exatamente o porque já que o dinheiro não vai ser muito, a unica parte do dia que me lembro de ter parado foi quando vi a mensagem do Nico, e eu nem reparei no horário. Rua escura, sapato desgastado em menos de dois meses de trabalho. Maria trabalhava aqui há quase nove anos e ela parecia feliz com esse trabalho, me livrei das boas vindas quando percebi o quanto gastronomia só funciona pra quem realmente gosta, e o Nico sempre me disse que sou um desastre na cozinha, exceto quando estou realmente inspirada a cozinhar alguma coisa. As vezes falta sal, as vezes açúcar. Bom, eu sou um desastre em qualquer coisa que envolva gastronomia, já aceitei a minha realidade.
Quando chego em casa, minha mãe já estava dormindo tranquilamente. Eu tomo um banho e me deito, verifico as mensagens e fico conversando com o Nico até o sono me pegar de vez. Ele era realmente uma surpresa, estava empolgada pelo nosso primeiro encontro sem uma data prevista.
E não, eu não sou tão emocionada assim.
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Estrelas da Califórnia
RomanceCléo é uma jovem desiludida com a vida, trabalha na lanchonete da rua 11 desde que completou dezoito anos, sua vida se baseia em trabalho e livros, o que a ajuda a fugir da sua realidade complicada. Até que ela conhece o desastrado e preconceituoso...