Eu tive o prazer de nascer em 2004 e à medida que eu ia crescendo tive a maravilhosa oportunidade de aprender a manusear a arte da fotografia, algo tão pacato, mas que mexeu com todo o ser humano, tornou-se algo tão maravilhosamente bonito e claro, utilitário que muitos não lhe deram o devido valor e eu a certo ponto também não.
Quando completei os meus 6 anos de idade comecei a ter interesse em algo chamado dança teatral, não sei bem o porquê, mas ver todas aquelas pessoas a representar uma história através da dança aqueceu-me o coração de tal maneira que eu tivera de me inscrever. Eu entrei e pelos próximos 6 anos eu era uma daquelas pessoas, até que a pessoa por trás de me passar o seu conhecimento fotográfico faleceu. Este foi o evento que me abalou com 12 anos de idade. Eu não havia sido criada pelos meus pais e o senhor que me havia criado estava morto. Acabei por perder o interesse na dança e na fotografia, pois aquele sentimento de ter a alma quentinha havia desaparecido.
Acabei por ganhar outro interesse, a música. Havia aprendido a tocar flauta há pouco tempo e de certa maneira a música que saia de dentro daquele estranho objeto ajudava-me a passar por aquilo. Acabei por pedir para entrar para as aulas de música, queria entender todo aquele mundo melhor, queria explorá-lo. Naquela altura eu ainda estava inscrita na dança, mas faltava imenso, eu deveria ter desistido antes, mas mesmo com aquela faísca apagada eu não me conseguia desapegar, eu não conseguia deixar para trás. Foi então que fiz um acordo com a minha mãe, a dança pela música. Ambas estávamos de acordo, mas após eu deixar a dança ir, eu não tive a minha parte do acordo, então fiquei sem rumo durante uns meses. Arrependi-me de ter deixado a dança ir e não queria retornar á arte fotográfica pelas memórias.... Estava a fugir.... Ainda era muito fresco, então aquietei e foquei nos estudos durante aquele ano.
Foi no ano seguinte que descobri que podia cobrir aquele buraco vazio com o desenho. Há muito tempo, desde pequenina que eu não desenhava por gosto próprio, então um dia comecei a observar como a Margarida ficava tranquila e serena enquanto o fazia na biblioteca da escola, ela estava em paz, então comecei a desenhar. Comecei por baixo, por desenhos simples e básicos e fui evoluindo aos poucos, assim como a minha mente. Foi um dia na cozinha de minha casa, de madrugada, enquanto desenhava a Sailor Chibi Moon que me apercebi que o desenho já não me acalmava ou me preenchia, ele agora era parte de mim e eu queria estudá-lo mais a fundo. Entrei para o secundário para o curso de Artes Visuais e durante o primeiro ano, eu realmente amei tudo aquilo, mas quando eu cheguei ao segundo eu apercebi-me de novo que faltava algo. Foi mais ou menos nessa altura que eu comecei a ler. Eu adorava entrar na cabeça dos personagens e saber o que eles pensavam, como agiam e o porquê de agirem assim. Comecei a ter excelentes notas nas composições e a certo ponto daquele ano eu pensei: "Mas e porque não?". Foi aí que outro lado de mim nasceu, foi aí que a Hiraeth nasceu, foi aí que a escritora de contos nasceu e foi criada. Quando eu dei por mim eu andava com o meu caderno sempre atrás de mim e mais tarde não era apenas um caderno, mas sim muitos mais.
Anos depois, não muitos, no meu ano de caloira da universidade eu encontrei o que tanto me faltava na arte nos anos de secundário, eram as "Artes Plásticas". Este tipo de arte era fascinante, a escultura, a gravura, a pintura... Tudo era apaixonante ali. Era diferente, era arrojado, eu adorava. Foi lá que eu descobri o meu gosto pela pintura abstrata. Achei piada na altura, como é que eu que passava a vida sempre a representar algo conseguia fazer todo aquele abstrato? Na época eu falei com o meu professor de pintura e ele explicou-me acerca da arte abstrata figurativa. Gentilmente explanou-me que eu efetivamente continuava a representar algo, só que desta vez eu fazia-o de maneira abstrata para os outros, mas clara para mim. Eu adorava olhar para as minhas obras e poder observar a exata paisagem para a qual eu havia observado para a realizar, enquanto outros apenas conseguiam observar manchas de aguarelas ou de tintas. Foi aí que eu me apercebi que eu estava finalmente completa e olhando para trás, para a minha história, eu decidi que estava na hora, estava finalmente na altura de regressar às minhas origens, lá muito atrás quando eu era pequenina e entrava à socapa na sala de trabalho do Armindo com toda aquela curiosidade direcionada para o seu trabalho. Penso que foi tudo um grande aprendizado e que talvez se nada me tivesse afetado assim quando eu era apenas uma menina que talvez eu não tivesse entrado para as Artes Plásticas, talvez me tivesse instalado na fotografia e se ele ainda cá estivesse entre nós, eu trabalharia com ele, naquela sala cheia de cheiros de metais e computadores, assim como o cheiro de papel de fotografia.
Tudo acontece por uma razão e de certa forma eu gosto que tenha tudo acontecido assim. Eu não posso mudar o passado, mudar o que aconteceu, mas posso seguir em frente e continuar e de certa forma honra-lo com esta versão de mim que ele não viveu para conhecer.
-Hiraeth