Filha da Meia-Noite

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Para minha melhor amiga e alma gêmea, Isabel — Porque você me ensinou que é possível voar mesmo sem asas.

Feliz aniversário, Bel s2


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Filha da Meia-Noite

O templo dos fundadores havia se tornado o local da cerimônia cuja a obsessão de uma mãe que perdera a filha recém nascida, agora, esta prestes a buscar a criança na profundidade da banheira de pedra.

Donna, uma dos Quatro Lordes — segunda filha de Mãe Miranda —, monitorava o processo do ritual, o véu negro de seda camuflando seu rosto, escondendo a grotesca cicatriz que deformou seu olho direito. Naquela noite de solstício, a noite mais longa do inverno, Mãe Miranda ousou ir mais além.

Miranda quis forjar um corpo, um hospedeiro, do próprio útero. A sacerdotisa convocou Donna por suas habilidades medicinais, a considerando uma auxiliar apropriada e exemplar. Miranda usou uma adaga para arrancar o útero; o despejando na banheira preenchida pela substância do Megamiceto e, em seguida, cortara a palma da mão com a mesma lâmina, observando o sangue negro ser derramado em cascatas obscuras.

Um calafrio percorreu até a espinha de Donna, a fazendo encolher os ombros e entrelaçar suas mãos como tentativa para abrigar calor e afastar o nervosismo perante o ritual, voltando a se concentrar. Sua presença e serviços era tudo o que poderia oferecer a Mãe: servir a sacerdotisa que lhe dera a imortalidade, embora o preço tenha sido alto... A solidão eterna.

Miranda mergulhou os braços na banheira, sentindo a criatura se formar sobre os dedos protegidos por joias metálicas e pontudas, como garras de corvo.

— Eva — suplicou Miranda, sussurrando. — É você, meu bebê?

Donna semicerrou os olhos por debaixo do véu, prendendo o fôlego. O vento uivante da noite agitou a fileira de tochas que iluminavam o templo amplo, e as estátuas dos quatro fundadores do vilarejo até mesmo pareciam observar o que acontecia ao centro, diretamente para Miranda.

Uma figura branca flutuava acima de Donna, uma boneca noiva ventríloquo chamada Angie — um presente do falecido Sr. Beneviento, pai de Donna. E a boneca fora abençoada com vida através dos dons da mesma —.

O vento tornou-se sussurrante. E as tochas apagaram. A luz lunar fora a única iluminação que restara. O templo ficou num silêncio infernalmente angustiante.

A cerimônia encerrou-se. A questão era: dera certo?

— Filha — Miranda agarrou-se a massa recém criada. — Venha até mim. Venha para sua mãe.

Miranda puxou a criatura para fora da banheira. Água escura escorreu do corpo rechonchudo e nu da recém nascida, e sua forma passou a ser revelada. Embora aquilo se parecesse com um bebê humano, á exessão do minúsculo par de chifres em sua cabeça e as orelhas pontudas. Quando a menina abrira os olhos redondos, tudo o que Miranda lhe oferecera fora um semblante triste e decepcionado. São olhos felinos, como os de um gato, de um dourado reluzente e animalesco.

— Funcionou, Mãe? — perguntou Donna, após um curto período de silêncio ensurdecedor.

Miranda virou-se para a Lorde, expondo a criatura que fora feita de seu útero.

— Outra falha — manifestou Miranda, desapontada. — Não era o que eu queria. Essa não é a minha Eva.

A bebê começara a chorar — lágrimas douradas, fora do comum —, temendo o cenário sombrio e torturada pelo frio estridente assoprando sobre ela, se contorcendo no colo de Miranda. Uma pequena e frágil criaturinha, nascida da meia-noite.

A Cantiga de Freya | fanfic Lady DimitrescuOnde histórias criam vida. Descubra agora