Prólogo

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Realmente desprezível!
Yamato Tashidori foi uma criança que nasceu na pior parte do vilarejo, na pior situação de vida da vila. A família Yamato sempre era alvo de chacota pelo resto das pessoas quase tão pobres quanto ela. Comprar um pequeno pedaço de pão exigia que fizessem economias o mês inteiro.
Essa situação deplorável levou a matriarca da família à morte enquanto tentava roubar de comerciantes que visitavam para trabalho, que levou o mais velho dos cinco filhos do casal a buscar vingança contra essas mesmas pessoas e pegar as riquezas que ficaram.
O garoto levou isso como um hábito depois da segunda vez que o fez. Os guardas iriam até o inferno se precisasse para dar a devida punição pelos seus crimes. Uma tarefa difícil, de fato. Principalmente quando não havia suspeitos e o criminoso usava uma máscara do espírito de um gato, deixando somente os olhos de cílios longos com pupilas douradas, à mostra, nunca deixava pistas e era o melhor espadachim já visto por qualquer sênior em artes marciais.
Para a alegria de muitos, após anos de procura, finalmente encontraram um erro deixado no local de um dos crimes cometidos por Yamato Tashidori. Para atraí-lo, colocaram sua família inteira para ser executada em praça pública. Entretanto, aquilo não foi um mero teatro para conseguir prendê-lo.
Ao garoto aparecer, colocaram fogo nos quatro irmãos e no pai dele. Vendo os parentes morrerem queimados gritando por clemência, o restante de controle que lhe restava, esvaiu-se.
Uma luta árdua teve início e durou horas, até o mesmo, com a vida por um fio, fugir. Atualmente ainda não se sabe o quão longe Yamato Tashidori foi antes da vida dissipar do corpo, ou se houve um milagre para ter sobrevivido com os ferimentos profundos da batalha.
A última parte da história poderia ser facilmente considerada questionável quanto a abordagem utilizada, mas muitos a consideravam mais do que justa devido ao nível da situação.
Para Kentsuki Kaoru, o que costumava falar para seus aprendizes, é que "toda ação tem uma reação, essa foi a consequência pelos crimes dele" sempre que o assunto vinha à tona de alguma maneira. Estava aberto a questionamentos, não podia condenar os alunos por pensarem sobre o verdadeiro significado de justiça, ainda assim não deixava de achar isso.
As batidas da porta ressoam pelo quarto iluminado apenas pela luz solar entrando pela janela. Kaoru jogou as mangas do kimono verde para trás antes de levantar de frente à mesa onde estava escrevendo. A passos lentos caminhou até a porta e abriu-la. A visão do sorriso convencido do homem alto de cabelos negros azulados como a noite, o fez dar um sorriso singelo.
— Atrapalhei? — diferente da pergunta, o sorriso demonstrava que não estava preocupado de verdade.
— Você nunca me atrapalha, Ritsu. Diga, qual o caso dessa vez?
— Seu pirralho não te deu os papéis que mandei entregar? — direcionou a mão à cintura, mudando de expressão para os lábios retos.
— "Meu pirralho" tá treinando lá fora com o Kaji desde cedo, não o vi sem ser para dar café da manhã — franziu as sobrancelhas olhando para o chão com a mão no queixo.
— É isso o que chamam de encontro hoje em dia? — inclinou levemente a cabeça para o lado.
Espreitou os olhos para ele e não o respondeu, ao invés, colocou-se à frente no corredor estreito e desceu as escadas que davam para o primeiro andar do prédio. Andou até a mesa de frente para todas as outras enfileiradas e pegou o leque junto dos papéis que estavam do lado. Passou rapidamente pelas informações e logo entendeu do que se tratava.
— Minha ajuda para um caso tão comum é mesmo necessária? — disse e levantou uma das sobrancelhas, observando Ritsu de cima a baixo.
— Já sabemos quem foi, só vamos prender ele contra a parede. Não quer um pouco de aventura hoje?
Com os lábios finos formando um bico e as sobrancelhas curvadas no sentido contrário, impossibilitou Kaoru de negar com facilidade. Caso algum dia dissesse não à aquela expressão tão adorável que Ritsu fazia, poderia ser mandado às autoridades e preso por crime de ir contra raposas fofas.
O cabelo desorganizado atrapalhando o campo de visão o lembrou dele estar completamente solto. Fez sentido o incômodo sentido quando decidiu sair do quarto. Tirou da manga, um palito marrom com detalhes verdes de folhas na ponta que ganhou de Ren de aniversário; pegou boa parte dos fios, porém não todos, e os enrolou em um coque no topo da cabeça. Ainda que uma parte deles presos, uma grande parte do longo cabelo continuava livre.
Passando pela porta para o lado de fora, assistiu de longe a forma que Ren desembainha a espada, a usando logo em seguida para atacar Kaji em uma postura quase perfeita. Os cabelos enrolados como as ondas do mar esvoaçavam com ele correndo segurando a katana usando ambas as mãos ao lado do corpo. O kimono detalhado em verde por pequenas folhas já se encontrava manchado de terra.
Kaji, como resposta ao ataque, usou uma única mão para desviar a lâmina e usar a fresta que abriu para chutar a costela alheia. Não deu tempo de desviar do ataque de Kaji, então Ren bloqueou com os antebraços, caindo com as costas batendo forte no gramado e o fazendo soltar um gemido arrastado.
— Como esse moleque consegue perder de alguém que tem metade do tamanho dele? — os lábios contorciam para não soltar a gargalhada presa na garganta.
As costas latejavam junto do antebraço vermelho, que provavelmente ficaria roxo poucas horas depois. Kaji estendeu a mão em direção a Ren caído, os lábios curvados para o lado e uma das sobrancelhas levantada. Claramente zombando do outro com o olhar. De longe, viram o olho esquerdo de Ren tremer, mas aceitou a ajuda para levantar. Provocações entre os dois são algo da rotina de quem convive com eles.
Acenaram animados avistando Kaoru e Ritsu na porta do dojô. Correram com a moleza no corpo de quem estava treinando há horas consecutivas sem descanso aparente. Os cabelos de ambos estavam mais do que bagunçados, haviam fios grudados na testa e bochecha, principalmente de Kaji com sua mania de nunca prender a cabeleira.
Apoiaram as mãos nos joelhos, ofegantes.
— Descansar não mata ninguém, muito pelo contrário, pirralhos
Caso a frase tivesse vindo de outra pessoa, talvez os garotos não teriam encarado como se tivesse sido falado o maior dos pecados. Não continuaram o fazendo pois o professor entrou na frente, os lábios curvados, para cima, junto dos olhos, para baixo. A aura gentil de Kaoru foi o suficiente para apagar as energias negativas.
— Senhor Kentsuki, espero não estarmos fazendo barulho demais — Onodera, sendo cortês como sempre com Kaoru, disse.
— Sem problemas. Por que não entram para tomar um pouco de suco? — respondeu de maneira cordial.
O outro adolescente não gostou muito da ideia, cruzando os braços.
Percebendo o descontentamento alheio, o mestre estava prestes a acalmá-lo dizendo algo, porém, Onodera adiantou-se. Colocou a mão sobre o ombro de Ren movendo o polegar como uma carícia.
— Vamos, meu bem, treinamos o dia inteiro — tentou amansá-lo.
Desistiu de contestar e afrouxou os braços o suficiente para eles caírem ao lado do corpo. Andou na frente, foi parado pelo professor e recebeu carinho na cabeça o suficiente para bagunçar um pouco mais os fios já rebeldes, e continuou andando para dentro do prédio. Onodera acenou em uma despedida para os dois adultos e seguiu-o.
Trocaram os olhares durante segundos, os risos escaparam juntos.

***

Pequena, simples e agradável são as palavras perfeitas para descrever aquele lugar. Os moradores nunca chegaram a ter problemas maiores do que roubos. Porém, pessoas vindas de outros lugares às vezes apareciam e, por isso, outra pessoas como os guardas, Kaoru e Ritsu estavam sempre prontas para ajudar.
Andando pela estrada em meio às casas e lojas, apreciavam a vista de crianças correndo brincando para os lados, alunos de Kaoru trabalhando ou conversando entre si, casais saindo juntos e mercadores tentando de tudo para agradar a clientela. Um lugar calmo para morar e poder envelhecer tranquilamente sem muitas perturbações.
Ainda que confortável, é uma vila grande, então não deixa de ter suas piores partes de viver. Normalmente são essas as partes que mais dão trabalho aos dois homens.
Vendo no papel onde havia anotado, Nekoma bateu na porta da casa enquanto chamava o nome da pessoa. O barulho de vidro quebrando denunciou o plano de fuga. A dupla se entreolha por um determinado tempo.
Se dividiram, indo cada um por um lado da casa como uma emboscada. Na parte de trás, encontraram um ao outro após verem um vulto pulando de forma rápida para o telhado. Pularam ao mesmo tempo para acompanhá-lo, a pessoa já estava casas à frente quando chegaram.
Concordaram usando as cabeças antes de colocarem os pés em movimento correndo atrás dele. Pulavam as casas atrás do homem. A visão de longe deles correndo podia dizer como admirável. Se moviam completamente sincronizados. Os cabelos voavam com o vento batendo  junto das roupas levantando e abaixando. A de Ritsu, por ser mais colada ao corpo, nem tanto, mas o kimono elegante de Kaoru, sim. Por ser verde, podia-se comparar a uma folha voando acabada de cair da árvore.
O homem, o qual era o fugitivo, finalmente chegou à floresta. Nem olhou o seu arredor antes de deixar o corpo cair sobre a grama fresca. Fechou bem o campo de visão em alívio.
Nekoma e Kentsuki passaram a ser a dupla mais temida por qualquer ser humano que comete algum crime naquela região. Chegaram a perseguir pessoas até cidades grandes para capturá-las. Gente de outras regiões reconheciam os nomes. Nekoma como detetive e Kentsuki como mestre de um dojô muito conhecido.
O Sol continuava mais radiante do que nunca àquela hora do dia e não havia forma de se cobrir dele. Estranhou a luz forte no rosto desaparecer de repente. Considerou o Sol ter sido escondido por nuvens.
Ao abrir as pálpebras, uma pessoa com um sorriso sem chegar nos olhos e outra com os lábios retos e expressão calma, metade do rosto sendo coberta por um leque esverdeado como o resto das vestimentas, o assistiam.

Yamato TashidoriOnde histórias criam vida. Descubra agora