Never Be Alone

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"I promise that one day I'll be around
I'll keep you safe, I'll keep you sound
Right now it's pretty crazy
And I don't know how to stop or slow it down"

"Eu prometo que um dia estarei do seu lado
Te manterei sã e salva
No momento, está tudo muito louco
E eu não sei como parar ou ir mais devagar"

· 🌾 ·

Maomao teve o seu primeiro contato com a morte através de uma pessoa viva. Antes de saber o que era ser alguém no mundo, antes de conseguir amarrar as próprias roupas ou até mesmo contar até cem. Não era como se ela pudesse ignorar a moribunda que repousava no anexo do bordel, afinal, ela parecia ser o motivo de tantos olhares piedosos e cochichos.

Ela se lembrava do cheiro de incenso que escapava pelas frestas do quarto, era forte, um tanto enjoativo e impregnava as cortinas vermelhas da casa Verdete. À noite, o cheiro se tornava mais intenso, mas o choro ruidoso conseguia ser ainda mais desagradável. Nenhum cliente ousava pisar naquele bordel em condições tão decadentes, nem sequer as cortesãs mais requisitadas conseguiam manter seus clientes fixos.

— É um fantasma — apesar da boa intenção que a moça de seios fartos pudesse ter tido com aquela pequena mentira, a resposta não poderia ter sido a mais errônea. Maomao não precisava saber contar até cem para entender o óbvio: fantasmas não existem.

Olhando para o passado, Maomao desejava ser uma pessoa minimamente mais irracional, um pouco, talvez o suficiente para acreditar naquela mentira. Aquilo a teria poupado do trauma de descobrir que a mulher que passava os dias dormindo e as noites chorando na realidade era a sua mãe. A mulher que, em troca da sua existência, padecia a cada dia em um ciclo doloroso de culpa pela manhã e de dor ao crepúsculo.

A pequena Maomao, de olhos azuis esbugalhados e cabelos ralos, aos 5 anos, já era uma criatura extremamente curiosa. Respostas curtas não a saciavam mais com tanta facilidade, muito menos quando essas respostas eram mentirosas. A ideia de um fantasma era ridícula. Sem mais nem menos.

Uma vez ela fez questão de dormir dentro do guarda-roupa depois que descobriu que era de lá onde supostamente os monstros emergiam. Em outra ocasião, enquanto brincava com outras crianças de idade próxima, ela foi a primeira a se voluntariar para tocar em um objeto amaldiçoado depois de ouvir uma historinha macabra. Nas duas ocasiões, ela se deparou com a enorme vastidão do vazio. Sem fantasmas, sem maldições, sem monstros.

As experiências anteriores deram a ela uma certa presunção, uma coragem desproporcional capaz de persuadi-la a se esgueirar para o interior do anexo. Com uma vela em mãos, cuja cera vagabunda criava uma pequena trilha por onde ela passava, e uma chave roubada, entrar foi a parte mais fácil do trabalho. Mas, se ela soubesse, se ela fosse capaz de voltar no tempo, ela nunca teria se aproximado. O cheiro de incenso era ainda mais insuportável no interior do pequeno quarto, estava abafado e escuro.

"Não é muito diferente do armário", ela pensou enquanto seus pés miúdos a levavam para cada vez mais perto da cama.

Então ela viu. Não era um fantasma, era uma pessoa de osso e carne, ou pelo menos o que sobrou depois da doença.

— Mãe? — Maomao não se lembrava do rosto da mãe. Pelos céus, ela era jovem demais até para contar até cem! Não era um erro imperdoável que a garota se esquecesse da própria mãe. Mas, por alguma circunstância, em algum lugar de seu coração, ela sabia que aquela mulher era uma parte importante de si.

A mulher repousava em um sono turbulento, mexia-se de maneira inconstante e balbuciava. Sua pele, se é que ainda existia algo para chamar de pele, estava extremamente ferida. Das bolhas geradas pela infecção, saía uma espécie de pus amarelado e sangue que se espalhava pelo lençol antes limpo. Os dedos foram enfaixados de modo que inutilizasse ambas as mãos, mas a coceira insuportável não podia ser suprida por faixas ou incensos. O atrito que as faixas geravam contra a pele era quase igual ao das unhas. Quanto mais ela coçava, mais as bolhas estouravam e mais a infecção se alastrava.

Don't Cry For Me - Kusuriya No HitorigotoOnde histórias criam vida. Descubra agora