• UM •

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As rodinhas da mala deslizam na longa plataforma adiante, diferente dos meus pés que parecem pesar uma tonelada. Esbarro em um animado casal de turistas gringos, enquanto me arrasto, com dificuldade, para dentro do que vai ser a semana mais louca da minha vida.

Nunca fui boa em tomar decisões, talvez esse seja o principal motivo de evita-las à todo custo. E também um dos motivos que eu escrevo: sempre um passo à frente, eu controlo qualquer problema ou situação. Perdida nas páginas, eu posso ser ousada e fazer algo impensável, como passar 9 horas no avião rumo à Portugal, para embarcar num cruzeiro marítimo (mesmo morrendo de medo de não voltar para contar a história).

Sinto o sol de Lisboa queimando minha pele, mas é difícil se incomodar com qualquer coisa, quando se tem uma vista dessas. Se fosse um capítulo do meu livro, eu descreveria o navio à minha frente como opulento e grandioso. Ele parecia tão leve, como se boiando na superfície, mas eu temia secretamente que suas 250 mil toneladas não deslizariam com facilidade e antes do 6° dia eu estaria junto com o Jack e os destroços do Titanic.

A medida que apertamos o passo para dentro do cruzeiro, ganhamos um card eletrônico para os quartos, e nos despedimos das nossas malas, por enquanto. Em seguida, fomos conduzidos à uma pequena apresentação da equipe, enquanto nos servem uma bebida cor-de-rosa em taças bonitinhas com guarda-chuvas neon.

A brisa no meu rosto me trazia paz, e também grudava alguns fios insistentes do meu cabelo no gloss recém aplicado, mas nada mais importava. Naquela manhã era impossível distinguir onde terminava o mar e começava o céu, assim como eu já não conseguia separar a minha decisão maluca da realidade. Mas, ainda sim, aquilo estava longe de ser uma excursão de férias. Podia ouvir a voz aguda da minha agente, pela milésima vez insistindo para que eu aceitasse uma mudança de ares e embarcasse no cruzeiro.

— Carolina, já te disse, Lila e eu, estamos planejando os últimos detalhes do casamento, a editora está uma loucura com a inauguração da nova sede e seria um desperdício ninguém aproveitar esse convite – ela empurrava o ticket azul na minha mão – Por favor, aceite!

— Tati, como minha agente, você não deveria me incentivar a ficar trancada no quarto ao invés de ir para um lugar cheio de turistas festeiros no meio do mar? – peguei o papel, confusa.

— E como isso tem funcionado pra você no último ano, hein? – ela levantou uma sobrancelha em desdém - Você precisa de inspiração agora, alguma motivação. Sei que escreveu Janela do Amor enquanto estava noiva mas isso se foi, e digo, como sua amiga, que está na hora de seguir em frente. E como sua agente – ela piscou – eu preciso dos primeiros cinco capítulos na minha mesa, pra ontem!

E, levando a sério a minha missão, eu já começava a escanear o local em busca de novos personagens. Em meio à um grupo de animadas senhoras de meia idade, vestidas em um tecido leve de animal print, e dois pais desesperados para conter os gêmeos mais fofos (e encapetados) eu não conseguia parar de pensar nele: Pedro, o grande motivo de estar presa nesse navio sem um anel brilhante no dedo.

Estávamos juntos á quase 3 anos quando ele decidiu terminar, fazendo com que o período, que deveria ser o mais incrível da minha vida, fosse repleto de lágrimas entre uma entrevista e outra. Bom, como falar da pessoa que inspirou o best seller de romance do ano quando tudo que eu sentia por ela naquele momento era um misto de raiva, tristeza e decepção?

Todos os sentimentos me atingiram de uma só vez, como um soco no estômago. Ou talvez fosse minha cabeça girando depois de acabar o quinto copo da bebida cor-de-rosa em um único (e longo) gole. Meus joelhos vacilaram por um momento e agarrei o primeiro corpo que vi pela frente temendo o pior, mas ele ainda estava por vir: todo o meu café da manhã explodiu como uma bomba em uma camisa verde (agora com um leve pink abstrato) e calça caqui.

— Ah meu Deus, me desculpe! – choraminguei enquanto evitava os olhares curiosos ao redor.

— Não se preocupe com isso, você está bem? – ele levantou meu rosto gentilmente com o polegar e o indicador. Seu olhar era doce, e me perdi neles por um breve instante enquanto seus braços apoiavam os meus como se eu fosse a coisa mais frágil no mundo.

— Acho que a bebida da Barbie não é tão fraquinha como imaginei. – Levantei a taça, como um brinde à minha vergonha e entreguei à um garçom que passava por ali.

— Nunca tinha visto um cosmopolitan¹ derrubar ninguém assim antes – ele deu um sorriso tímido.

Um não, mas cinco talvez, pensei.

— Você ainda está um pouco pálida, melhor descansar. Já sabe onde fica o seu quarto? Posso te acompanhar até lá – ele disse enquanto checava o card branco e dourado na minha mão.

Pensei em negar ajuda, afinal, subir para o quarto com um desconhecido que sabe que você está bêbada não me parece a mais segura das opções. Mas eu realmente não conseguia pensar muito bem e só tinha certeza que não queria vomitar em mais ninguém, então concordei.

O caminho até o quarto pareceu uma eternidade enquanto eu tropeçava nos meus próprios pés, mas eu estava inebriada do perfume amadeirado emanando ao lado. Parece que o álcool consegue borrar o todo, e dar foco aos detalhes na mesma proporção. Porque embora eu soubesse que deveriam ter vários turistas nos olhando com repreensão, eu só tinha olhos para a camisa semi aberta do rapaz, tentando espiar a pele bronzeada que surgia timidamente enquanto ele tentava me impedir de cair e abrir a porta do meu quarto ao mesmo tempo.

— Sã e salva, Cosmopolitan ele disse enquanto me deitava na cama.

— Péssimo apelido – rebato, tão rápido quanto afundo no colchão macio.

— Você ainda não me disse seu nome – lembrou, enquanto tirava meus sapatos delicadamente.

E por um momento, na minha mente, misturando realidade com ficção, me pareceu uma boa ideia adicionar algumas informações e omitir outras, por segurança, claro!

— Caroli.. Carol. Carol Braga. – Carol Braga? Como em Janela do Amor, pensei, que grande idiota eu sou, ele poderia lembrar o nome da autora 'Carolina Borges' e surgiria uma foto minha na Wikipedia para confirmar tudo! Mas de todo modo ele não parecia ter o perfil de alguém que leria o meu livro.

— Boa noite, Carol Braga. Mas prefiro, Cosmopolitan – ele saiu, fechando a porta silenciosamente atrás de si.

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1.103 palavras

Notas:.

¹ A bebida cor-de-rosa é um Cosmopolitan, que tem como base vodka e cranberry.

Mentiras no MediterrâneoOnde histórias criam vida. Descubra agora