• TRÊS •

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Depois dos pátios floridos em Santa Cruz, fui levada a um passeio de barco no canal da Plaza de España. Lorenzo era um bom guia turístico, e tentava dar seu melhor nos fatos históricos enquanto tudo o que eu conseguia pensar era em como o pôr-do-sol deixava sua pele morena ainda mais dourada. Ele tinha um ar italiano, mas zero sotaque, e confessou que cresceu no Brasil, mas que sempre visitava a família paterna no interior da Itália.

Voltamos para o navio logo depois, temendo sermos esquecidos em Sevilha e aproveitamos a programação da noite com um jantar exclusivo, de um renomado Cheff francês, enquanto conversávamos sobre a viagem.

— Então, o que te fez embarcar sozinho em um cruzeiro pelo mediterrâneo? – perguntei, enquanto terminava o meu risoto de frutos do mar.

— Apenas negócios. Tenho alguns investidores a bordo. Pode imaginar o que uns ricos de 60 anos não dariam por uma semana longe do escritório? – ele ri, mas soa distante.

— Você parece muito novo para um homem de negócios. Certeza que não está aqui com nenhuma noiva misteriosa? – coloco a mão sobre a testa como se a procurasse.

— Não – ele ri – ainda não consegui criar raízes nesses 25 anos. Mas e você? Quais mistérios te trouxeram aqui?

— Eu? Hum... estou estudando – engoli em seco, pensando em alguma coisa que não me entregasse e falhando miseravelmente – Arquitetura.

— Arquitetura? — ele levanta uma sobrancelha e inclina a cabeça em curiosidade. Por favor não me pergunte nada mais, imploro em pensamento.

— Sim, estou terminando a faculdade, decidi começar meu próprio negocio – menti, e gesticulei tentando soar o mais convincente possível – E que lugar seria mais inspirador do que a Europa, né?

— Claro – ele faz um gesto afirmativo – E o que você achou da arquitetura europeia até agora?

Gelei. O que uma estudante de arquitetura diria?

— Uma maravilha! Mas sabe de uma coisa? Eu preciso terminar um projeto ainda hoje e você me deu a idéia perfeita.

— Jura? – ele disse desapontado, mas eu conseguia ver uma ponta de divertimento por trás dos olhos verdes. Como se soubesse que estava mentindo na cara dura.

Mas ele não contestou, apenas insistiu em me levar até a cabine. Nos despedimos quando o celular dele tocou, e eu tomei como um sinal do universo para encerrar a noite ali. Talvez ele fosse mesmo um ocupado homem de negócios.

Depois de um longo banho, me joguei na cama e escrevi. Parte de mim ainda não acreditava em tudo que estava acontecendo. O plot perfeito digno de comédia romântica:  a solteirona de 34 anos com um rapaz jovem e bonito no seu encalço. Uma decisão difícil, ri em ironia.

Tentei relembrar todos os detalhes de Sevilha, cada ponto turístico, cada monumento. E cada mentira que contei durante o passeio. Talvez adicioná-las ao livro me ajudasse a criar uma linha de coerência para os próximos dias e evitar tropeçar nas minhas próprias palavras.

Mal notei quando peguei no sono, e acordei pela manhã, com o som do notebook de encontro ao chão. Ouch! Pelo menos, as camas na cabine são baixinhas e o tapete amaciou a queda. Já estávamos em Ibiza, mas pelo horário tinha perdido a saída da excursão, então aproveitei para conhecer um pouco mais o navio.

Dei uma volta pelos corredores, espiei o cassino, descobri uma quadra esportiva, e por fim aproveitei o café temático do Cheff Fabian (brasileiro dessa vez), e matei a saudade de pão de queijo, enquanto revisava brevemente os capítulos que tinha escrito durante a madrugada. Vejo uma silhueta se formando, enquanto afogo meu rosto na xícara de café, e meu cérebro derrete por um segundo quando eu ouço a voz de sono dele.

— Bom dia, Cosmopolitan. Posso te fazer companhia? – ele puxa a cadeira enquanto afirmo com a cabeça – Vi que está ocupada, prometo não atrapalhar seu projeto.

— Projeto? – pergunto confusa, até que me lembro – Sim, sim! Fica a vontade, já estou quase terminando.

Finjo digitar algumas coisas no notebook por alguns minutos, que parecem horas; incrível como o tempo custa a passar quando se está mentindo.

Depois do café subimos para o deck do navio fazer a coisa mais turística e previsível: aproveitar a piscina.

A decoração era um luxo, com várias mesas circulando o ambiente e algumas espreguiçadeiras perto da água que foi onde decidimos ficar. Assim que puxei a saída de praia atraí alguns olhares curiosos, Lorenzo não pareceu notar, mas eu ja estava acostumada. A cor azul marinho por si só, não era chamativa, mas uma pessoa confortável com seu bikini GG, sim.

Há muito tempo, meu corpo não era mais hostilizado por mim. Mas não se engane, não foi fácil chegar até aqui. Alguns anos atrás eu estaria escondida em um largo maiô, isso se eu considerasse ir em uma piscina. Foram muitas sessões de terapia e choro na frente do espelho mas eu estudei meu corpo, aprendi o que me valorizava e me deixava bem comigo mesma, independe dos olhares tortos.

E caramba, a confiança caia tão bem em mim. Não vou mentir, em algum momento duvidei de alguém como Lorenzo estar genuinamente atraído por mim, ainda mais agora, vendo seu peitoral definido enquanto ele desabotoa a camisa e a coloca de lado, mas não importavam os motivos, eu tinha apenas mais 4 dias com um lindo italiano abrasileirado e não iria questionar um segundo disso.

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Mentiras no MediterrâneoOnde histórias criam vida. Descubra agora