— Você não deveria estar em sala? — Olhei em seus olhos por alguns momentos, vendo eles se curvarem ao sorrir.
— E você?
O jovem sentou-se ao meu lado estabanado e mexeu os ombros em um silencioso "tanto faz", logo os seus olhos seguiram na mesma direção dos meus — para o horizonte.
— Não há peixe novo nesse aquário, ao contrário do seu.
Novamente voltou a alfinetar-me. Não que a sua pergunta fosse grosseira ou algo do tipo, mas seu tom claramente é de gracejo.
Permaneci no silêncio sem realmente querer brincar com ele.
— Oh, vamos lá, pensei que eu era o único vilão da história.
— E quem disse que você deixou de ser?
Raspberry Juice
A primeira vez que conversamos foi no início do verão. Fazia menos de um mês que as aulas haviam iniciado e os calouros do primeiro ano já estavam integrados completamente em grupos e os mais velhos já não nos perturbavam mais.
— Que cara é essa? — Perguntei.
— Levei um fora... De novo. — Disse olhando para o celular com uma cara azeda.
— Quem foi dessa vez?
— Um menino que sempre vejo no caminho pra cá, ele é de outra escola... Dessa vez pensei que daria certo! Eu já podia sentir a alegria do amor. — Seus olhos brilharam enquanto segurava as minhas mãos, não pude deixar de fazer uma careta com aquela situação.
— Deixe-me adivinhar o motivo do fora. — Falei com uma voz tediosa. — Vocês nunca se falaram e de repente você se confessou, então veio o "não"?
Han olhou-me séria soltando as minhas mãos para voltar a postura habitual na cadeira.
— Maldita, poderia fingir que não sabia.
— Bem, essa já é a... Décima vez?
A jovem olhou-me desacreditada. — Você contou? Uau.
Neguei.
— Óbvio que não, mas deve estar por essa quantidade. — Vejo a carranca dela se aprofundar. — Se eu contar com o ensino fundamental...
— Pare já por aí. Eu tenho o direito de sonhar, sabia?
— Talvez você esteja pescando muito longe. — Murmurei ao passo que o sinal tocava.
— Você deveria começar a pescar também, a juventude passa rápido.
Suspirei sabendo que as suas palavras são verdadeiras, embora não tivesse quaisquer desejos de me mover da minha zona de conforto para conhecer alguém.
Olhei para a janela vendo os alunos fora da lei em pé próximo do portão enquanto eram exortados por um professor, em sua mão é possível ver vários utensílios proibidos na escola.
— Ele não se cansa? — Murmurei para o garoto de cabelo escuro e feições elegantes que bocejava de sono, obviamente sem prestar atenção nas reclamações do professor.
Jung-Wook, uma beleza rara com uma personalidade excepcionalmente mordaz, um encrenqueiro? Bem, o chamavam assim pelos corredores, embora dentro de sala — quando assistia às aulas — fosse assustadoramente quieto, pelo menos era isso que chegava aos meus ouvidos.
Desviei o olhar entediada. Provavelmente na manhã seguinte o veria novamente.
Raspberry Juice
Meus braços doíam e latejavam pelo peso das várias papeladas de atividades. De alguma forma acabei me tornando ajudadora de um dos professores, apesar de ter tido a má sorte de meu nome ser o sorteado, alguns colegas ficaram aliviados por não serem eles.
Malditos.
— Ah, Mori, foi um golpe de sorte ter caído o seu nome. — Disse o professor de história que sorria ao ver o trabalho feito em menos de algumas horas. — Por enquanto está dispensada, obrigada pelo trabalho.
Me curvei e sai da sala deslizando a porta de bambu, quando percebi que estava bem fechada soltei um suspiro.
A promoção do fliperama já havia terminado, parece que passarei um tempo sem conseguir jogar durante a semana. Soltei um suspiro mais longo enquanto caminhava para pegar as minhas coisas na sala de aula.
Porém, antes mesmo de conseguir ver a porta da sala, um vulto rápido passou pela janela bem a minha frente fazendo-me dar um passo assustada.
— Mas que merd-
Em um piscar de olhos fui agarrada pelo braço e jogada para dentro de uma sala que cheirava a morfo e água velha.
No chão, uma mão cobria meus lábios e com o pouco de luz só conseguia ver o pomo de adão do perpetrador.
Tentei empurrar e falar para se afastar, porém só escutei resmungos.
— Cala a boca ou vão nos encontrar. — Ouvi um tom barítono vindo do jovem que me fez arrepiar de ansiedade. O cheiro de suor e perfume sobrepusseram-se sobre o odor ruim do local.
Desisti de lutar e esperei alguns segundos ouvindo alguns murmúrios do lado de fora que logo se tornaram apenas lembranças. Quando percebi o momento, empurrei o garoto que caiu sentado bem a minha frente.
Finalmente pude ver o rosto dele — um tanto chocado.
— Não me inclua nos seus planos. — Digo zangada, levantando-me para que pudesse arrumar o meu uniforme.
O jovem pareceu se divertir com as minhas palavras. Na mesma postura sentada sorriu, um sorriso que me dava vontade de dar um soco em seu rosto belo rosto que anteriormente havia visto apenas de longe.
— Está com medo de ser detida também? Você é do tipo certinha então.
Babaca.
— Cuide de sua vida. — Abri a porta para verificar se havia alguém no corredor e fui embora.
Talvez os rumores não estivessem tão errados.
Naquele dia, orei para todos os deuses para que nunca mais topasse com ele.