Definitivamente odeio ainda ter uma vida, ainda ter de acordar ao som fúnebre do meu despertador, ter de fingir que ainda tenho alguma razão para viver quando na verdade a mesma me abandonou, e ter de sempre manter um sorriso fajuto em meu rosto mal barbeado e amassado pela noite mal dormida em razão da minha constante ressaca.
Mas sabe, nem sempre foi assim... A em média um ano atrás eu ainda tinha uma vida, e hoje sou só mais um bosta mal-amado. Eu também já tive um castelo, onde eu e Felícia éramos os reis, e lá governávamos como nunca antes visto. Mas o segredo para tudo dar tão certo era ela, Felícia, a mulher mais magnífica de todos os tempos.
Felícia era definitivamente o que se pode chamar de Mulher. Tinha belos olhos castanhos claros, que dependendo de como o sol refletia neles, esverdeavam. Sua boca era rosada, bem delineada formando quase que um coração. Um coração bem carnudo, cheio de pontinhos avermelhados, e extremamente sexy. Aquela boca acabava comigo. Tinha cabelos bem rebeldes, nunca sabíamos como o mesmo surgiria, além da constante vontade que o mesmo tinha de ser independente, voando para lá e para cá, quando as vezes nem vento havia. Tinha um nariz demasiado grande, que mais parecia uma batatinha. Seu rosto era constante, e afinava quando estava chegando próximo ao queixo.
E o modo como ela andava? Chegava a ser engraçado. Quando estava alegre quase saltitava, já quando estava de algum modo magoada, a mesma se encurvava e jogava seus rebeldes cabelos sobre os olhos para cobrir a maior fonte de verdade vinda dela.
Mais o melhor de tudo era aquele sorriso que nunca vinha em vão. Ela me convencia a fazer as maiores loucuras quando utilizava daquela arma poderosíssima. Mas sabe, eu não me importaria de fazer nada, desde que tivesse como recompensa aquele sorriso de gratidão seguido do melhor beijo já dado na história.
Era o beijo mais ideal já visto. O modo como ela introduzia sua língua em minha boca, beijando quase sempre a parte inferior de meus lábios, e me provocando uma leve contração perto de meus quadris. Só o toque dela já me arrepiava, mas o jeito como ela sorria após terminar cada beijo, demonstrava que ela sabia que exercia sobre mim um enorme poder.
Eu era totalmente dela.
Mas um dia ela sumiu, antes pedindo-me que me afastasse quase com uma súplica, seus olhos marejados de lágrimas tentavam se controlar, e sua voz rouca repetia constantemente que não mais sentia nada por mim, quase que querendo acreditar no que dizia, acho eu.
Ela me deu um último beijo extremamente gelado em minha bochecha, em uma região bem próxima a meus olhos. Ela segurou minha mão pela última vez, e sem mais nada dizer virou as costas indo embora.
Imagino que esteja se perguntando se não tentei nada. É lógico que tentei, afinal, ela era a mulher da minha vida. Eu peguei o primeiro táxi que encontrei próximo a praça central e fui direto a uma floricultura, e depois a seu apartamento, e adivinhe, o porteiro disse que ela havia se mudado a dois dias.
Eu peguei meu celular e liguei desesperadamente para o celular dela, e descobri que esse número havia sido cancelado. Minha reação de imediato foi reação alguma. Literalmente, não sei o que aconteceu comigo, mas a minha face ficou sem expressão, as rosas vermelhas, que eram suas favoritas, caíram ao chão, mas o dano feito às flores não chegou nem perto do dano causado no meu coração.
Foi naquele instante que sabia que a havia perdido, embora não soubesse o porquê. Foi naquele instante que minha vida virou o caos que é hoje. Desde então nunca mais consegui encontrá-la. Seu facebook não existe mais, seu instagram foi excluido, e até seu tumblr, que era uma das maiores paixões dela mudou de endereço eletrônico.
Eu fui até sua faculdade, e descobri que Felícia havia trancado o curso há uma semana e meia, e até suas melhores amigas perderam o contato com ela. Eu sabia que alguma coisa estava muito errada, mas não entendia exatamente o que.
Foi então que meu maior pesadelo se tornou realidade, eu sabia que se quisesse saber algo sobre Felícia, teria de me encontrar com sua mãe. Viajei 187 km para conversar com a fera.
— Aquela ingrata? Não sabia nem mesmo que havia largado os estudos, quem dirá que havia se mudado.
— Mas a senhora é mãe dela... – comecei até ser interrompido.
—Eu era mãe dela! – exaltou-se – Eu deixei bem claro para ela que caso quisesse realmente continuar com aquela pouca vergonha com você seria bem longe de mim. E eu avisei àquela mocinha que se ela escolhesse você a mim, poderia esquecer que tinha uma mãe.
— Ela nunca me contou nada disso. – Fui novamente seguido de um riso provocativo seguido de palavras extremamente grosseiras que me atingiram em cheio. Definitivamente eu odiava aquela mulher.
— Agora consigo ver exatamente como vocês eram "amigos".
Eu não aguentei mais um minuto e saí daquele lugar. Meus olhos embaçavam minha visão, e toda a estrada começou a virar fumaça na minha frente, então optei por parar no primeiro hotel que encontrei.
Pedi o quarto mais barato que encontrei, somente para passar o restante da noite, e em meio aquele cheiro de mofo, o barulho das goteiras perto da porta do banheiro e meus pensamentos, adormeci.
Sonhei com ela, com aqueles olhos, com aquela respiração ofegante de quando terminávamos uma transa, e acordei, vendo que ainda estava no inferno. A mulher que eu mais amava já não sentia o mesmo por mim. Mas será que um dia ela chegou a sentir? Será que tudo foi enganação? E meu celular começou a tocar.
Eu saí correndo procurando feito um doido meu celular, achando que seria ela dizendo que era tudo uma brincadeira, e que ainda me amava. Que eu ainda era dela, assim como ela inda é minha.
Eu estava errado. Era um número desconhecido, e logicamente eu atendi, afinal, a Felícia havia cancelado seu número.
— Alô? – mas eu não escutava nada do outro lado da linha, e após 1 minuto da minha vida jogado fora desliguei.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Será?
RomanceDigamos que estava numa fase meio ruim da minha vida quando me surgiu a ideia de escrever, e bem, aqui estamos nós. Se chorar lava nossa alma, se sorrir aumenta a vida, se dançar na chuva nos alegra (e também nos resfria), o que será que a incerteza...