Prólogo

10 0 0
                                    


— Tem certeza que é isso que você quer?

O olhar incisivo da mulher de branco recai pesadamente sobre a jovem. E confirma:

— Não há retorno daqui. Se cruzar essa ponte sua vida acaba.

A jovem observa a goi chegando ao outro lado da ponte, com o bebê no colo.

— Farei isso... Se não por mim mesma, mas por minha filha.

— Aquela criatura já levou a criança para o outro lado... Fique... As coisas se ajeitarão. Basta que eu faça um pronunciamento e seu passado estará limpo.

— Não tenho medo...

— Pois deveria!

A jovem observa novamente a ponte, uma pista lisa como mármore polido, cercada pelo vácuo do abismo. Mentiu. É claro que sente medo.

Sabe que, ao entrar em Magnet-k, não há como voltar. Ainda assim, precisa deixar seus fantasmas do passado e sobre esse prisma não há opção melhor que o exílio na ilha acólita.

Sob o firmamento é possível perceber a alteração que o campo magnético imprime sob a vasta extensão que a ilha ocupa, gerando uma distorção visual leve, porém, notável a olho nu. A abóbada desenhada sob o firmamento traça suaves linhas trêmulas, uma visão fantasmagórica causada pelo ar escaldante em elevação sobre o firmamento.

"Coragem! É preciso ter coragem" o pensamento a invade.

A goi do outro lado acena com o bebê repousado em seu braço musculoso.

Sua díade se posiciona no extremo oposto da ponte, à distância não é possível ver suas feições, os cem metros que as separam permitem que a jovem perceba apenas se tratar de uma mulher jovem, mais jovem que ela mesma.

O medo se torna físico, palpável. A hora chegou.

Se ressente por um instante por não sentir o mesmo medo quando a goi cruzou com sua filha. Uma estranha vergonha a faz corar. "Como não senti medo pela minha filha? O medo egoísta que me invade agora se dá somente pelo meu senso de autopreservação? Ou sou apenas hipócrita?"

Pensamentos fora de lugar. Precisa se concentrar na passagem. A ponte é perigosa e traiçoeira.

A ponte.

As regras.

Deve seguir no mesmo passo que a díade, porém, jamais seus olhares devem se cruzar. Para uma pessoa entrar, outra deve sair, sempre em pares. Curiosa e especificamente, crianças não são validadas. A goi entrou com o bebê e apenas uma pessoa saiu. Saiu e sumiu assim que chegou à margem externa. Seu olhar repleto de loucura a fez correr como um bicho acuado assim que sentiu o ar do mundo exterior. A jovem é inundada pelo mesmo calafrio que sentiu ao encarar de relance aquela mulher perturbada.

A goi ergue o braço. É hora de iniciar a travessia. Abaixa o braço e a jovem pisa, quase que alisando o piso, em seu primeiro passo.

— Adeus! — a mulher de branco exclama virando as costas.

A jovem ouve, mas não se volta para a mulher que há muito pode chamar de mãe. Não quer mais vê-la. Jamais.

Os passos vão seguindo, um após o outro. Embora a ponte seja relativamente larga, o abismo que a envolve é opressor. Não devem cruzar olhares. Devem seguir até o outro lado, ela e a díade.

"Mantenha os olhos em seus próprios pés" a curiosidade espeta, olha para a frente, para o fim da longa ponte. Um grupo se aglomera em torno da saída, como se estivesse à sua espera. "Mantenha os olhos em seus próprios pés".

Sabe que está próxima à metade do caminho ao pressentir a aproximação da díade. Apenas ruídos leves das solas dos pés roçando a pedra lisa. O vácuo exterior torna tudo muito silencioso, tudo invisível e estéril.

A sombra da díade se projeta. Está tão perto! Seus olhares não podem se cruzar. Jamais!

Assim que os pés da díade entram em seu campo visual, um assombro a invade.

O assombro a faz, imediatamente, irresistivelmente, erguer os olhos diretamente para o rosto da jovem. A jovem, do mesmo modo, a encara. Os olhares se cruzam.

O piso da ponte treme. A jovem oferece a mão à díade. Os dedos se entrelaçam. Não há mais medo, apenas compreensão. A jovem entende que sua vida chegou ao fim. Apenas aceita.

A plataforma começa a se desfazer, do meio para as extremidades, as duas são envolvidas pelo vácuo. Não caem, pois não há gravidade ali. Flutuam sem nada em que possam se agarrar, exceto uma à outra.

Lentamente seus corpos se elevam, não há oxigênio, não há nada.

A jovem continua encarando, incrédula, sua díade. Uma moça, quase uma criança. Percebe seus lábios se separando levemente e um espasmo em busca de ar se transforma em um soluço triste.

Seus corpos seguem se elevando no vazio, subindo. A jovem observa a ilha vista de cima. A torre. Não é como esperava, é um lugar bonito e vivo. A asfixia chega agoniante. A díade aperta seus dedos com força enquanto seus olhos se inquietam com as sensações inescapáveis que a proximidade da morte carrega consigo.

Do alto, as duas permanecem de mãos dadas. A jovem procura finalmente a goi. A criatura segura o bebê, incrédula. Acredita ver a expressão do que seria um grito. Acredita ver sua filha bebê chorando.

Sua visão escurece. Sente os dedos da díade travados aos seus.

E não sente mais nada.

Magnet-KOnde histórias criam vida. Descubra agora