JOHN

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JOHN

Crises existenciais são experiências comuns a todos nós. A busca por felicidade e uma vida normal nos leva a questionar o propósito de estarmos aqui. E sim, eu também já me fiz essas perguntas em muitos momentos.

Porém, minha história é um pouco diferente. Não sou necessariamente um ser humano, mas sim o filho de uma mulher e um Deus. Tudo começou há muito tempo, na década de 1650.

Um dia, Marianne, a mulher que me criou, chamou-me para uma conversa importante. Ela decidiu revelar o segredo que sempre me intrigou: a ausência de um pai em minha vida.

Ela contou que conheceu meu pai em uma balada na França. Ele era um homem charmoso, bom de papo e dançava muito bem. Depois de uma noite de dança e conversa, ele a convidou para ir à casa dele, e ela, inocentemente, aceitou.

Continuou a história, relatando que, naquele momento, ela estava em busca de amor e aventura. Porém, ela acabou se envolvendo com um homem que escondia um segredo obscuro. Esse homem era ninguém menos que Don Sancho Duarte, um ser cujas origens e poderes eram divinos.

Marianne não fazia ideia de quem ele realmente era, e sua vida mudou para sempre após aquele encontro. Ela me revelou que Don Sancho Duarte era o meu pai, um Deus com habilidades e poderes que transcendiam a compreensão humana.

Ainda naquela época, algo começou a me intrigar profundamente: a rua Eau De Parfum, especialmente o número 1954, onde ocorreu o encontro com o misterioso Sancho Duarte.

No decorrer do dia, a rua parecia normal, sem nenhum indício do que aconteceu na noite anterior. Isso me deixava ainda mais perplexo, pois sempre passava por lá e nunca tinha notado nada estranho. Apesar disso, não consegui tirar o nome Eau De Parfum e o número 1954 da cabeça.

Enquanto continuava minha rotina, decidi tomar café em uma cafeteria próxima, como de costume. Fui recebido por George, o dono do estabelecimento, que me cumprimentou com cortesia e perguntou como estava.

Após servir-me um café, ele me fez uma pergunta intrigante e particular. Ele queria saber o que eu estava fazendo na rua Eau De Parfum e, mais especificamente, por que estava envolvido com Sancho Duarte. George me alertou que corria grande risco se alguém descobrisse.

Curioso e surpreso, questionei como ele sabia de tudo aquilo, e ele apenas respondeu que simplesmente sabia. Aí, George revelou que Sancho Duarte era o homem com quem dormi na noite anterior.

A pergunta que não saía da minha cabeça era: o que havia de ruim em Sancho Duarte? Por que alguém o consideraria perigoso ou ameaçador? Eu não tinha percebido nada de errado naquela noite. Afinal, por que ele despertava tanto medo em outras pessoas?

— Eles costumam chamá-lo de O Diabo em Pessoa.

— Espera, o quê?

— É isso mesmo.

— Não, quem chama ele assim?

— Ah! Não é quem chama. É quem chamava. Dizem que aquele homem amaldiçoa todos que entram em sua vida.

Eu mal podia acreditar no que estava ouvindo. Era como se estivesse prestes a entrar em um pesadelo real. As palavras sobre aquele homem, apelidado de O Diabo em Pessoa, ecoaram em minha mente, enchendo-me de apreensão.

— E quem é então?

— A mulher dele. Mariana Dominique Cassarelli.

— Segundo relatos, ela tem olhos flamejantes, e tem a mera semelhança com uma bruxa. — Ele continuou alimentando o clima sinistro que se formava ao nosso redor. Era difícil acreditar que algo tão terrível pudesse estar acontecendo naquela rua.

— Mas são somente boatos, ninguém nunca a viu. Ninguém que não tenha entrado na casa dele.

A incerteza sobre a veracidade dessas histórias não tornava a situação menos assustadora. A ideia de uma mulher com olhos flamejantes e uma semelhança com uma bruxa rondando aquela rua era perturbadora.

— Mas enfim, tome cuidado. — Ele finalizou, como se estivesse me dando um aviso sério.

— Ok. Vou tomar! — Respondi, sentindo um calafrio percorrer minha espinha. Como poderia não tomar precauções depois de ouvir tudo isso?

— Você frequenta esse lugar a tanto tempo, e eu nunca perguntei seu nome. — Ele observou, mudando subitamente de assunto.

— Ah, é Diana Winchester.

— Até mais, Diana!

No caminho de volta para casa, algo estranho aconteceu. Uma mulher desconhecida esbarrou em mim, causando um corte superficial em meu braço. Não parecia ser um acidente comum. Era como se fosse um aviso silencioso, um presságio sinistro do que estava por vir.

Decidi ignorar o incidente e continuei meu caminho para casa. No entanto, quando cheguei, comecei a me sentir mal. Sensações estranhas e desconfortáveis começaram a me dominar, como se algo tivesse sido desencadeado por aquele corte.

A única solução que encontrei foi dormir, esperando que essas sensações passassem. No entanto, o que se seguiu foi um sono profundo e perturbador que durou cinco dias seguidos.

Durante esse período, meus sonhos eram habitados por uma figura feminina de rosto estranho, repetindo incessantemente uma palavra: "Winchester... Winchester..."

Quando finalmente acordei desse sono profundo, estava atordoada e confusa. O que tinha acontecido comigo?

A resposta veio quando consultei um médico e descobri que estava grávida. Era como se aquele sono tivesse sido um período de gestação incomum.

Depois daquela noite, nunca mais tive notícias de seu pai. A rua que antes frequentava desapareceu do meu horizonte. Parecia que algo terrível estava acontecendo, algo relacionado ao corte que aquela estranha mulher havia feito em meu braço.

— Ok. Mas e o George? — Perguntei, em desespero por respostas.

— O George e o seu barman foram encontrados mortos no bar com a boca cheia de bichos, e acima disso, rasgada de fora a fora. — A resposta do meu interlocutor gelou meu sangue. Era um relato tão macabro que parecia saído de um pesadelo.

Agora, eu estava ouvindo a história por parte do meu pai, que começou a falar sobre como me conheceu:

— George, quem é aquela bela moça que sempre vem por aqui? — Meu pai perguntou ao dono do bar.

— Duarte, não vá se meter em confusão, amigo — George respondeu, como se estivesse ciente dos perigos que rondavam aquele lugar.

— Eu não sei o nome. Mas ela sempre frequenta aqui — continuou George.

Na mesma fatídica noite, meu pai conheceu minha mãe na balada, e ao fim da noite, a convidou para ir à sua casa. Ele era casado, mas os riscos não o detiveram, considerando que sua esposa estava envolvida em pactos misteriosos.

— Mesmo sendo casado e sabendo dos riscos, tendo em vista que minha mulher tinha pactos esquisitos, eu decidi arriscar. E foi nessa noite que eu acabei com a vida da minha família.

As palavras do meu pai ecoaram em minha mente. Era difícil aceitar que sua busca por prazer momentâneo tinha levado a um destino tão terrível.

— No dia seguinte, para evitar que ela amaldiçoasse você, me vesti de mulher e arranquei um pouco de sangue para quebrar o feitiço feito com o fio de cabelo que ela deixou cair.

Sua mãe engravidou e seguiu a vida normalmente. Enquanto isso, eu fui condenado a viver em prisão por diversos corpos e identidades diferentes pelo resto da minha vida.

— Eu sinto muito, filho.

Em 14 de janeiro, às 17:17, John Dominique Cassarelli Sancho Duarte Winchester foi encontrado morto, pendurado em uma corrente na avenida Eau De Parfum, em frente à casa de número 1954.

EAU DE PARFUMOnde histórias criam vida. Descubra agora