Uma faísca no peito

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  -  Você está com medo?

  - Medo do que? De cair nesse lago gigante e ser comido por algum animal ainda desconhecido?CLARO que não!

  Saphira deu risada das mãos trêmulas de Tony e correu para a ponte abandonada em algum ponto ainda inacabado.

  A ilha trazia ainda, depois de tantos anos, maravilhas tão novas e misteriosas, que os deixavam boquiabertos.

  -  Vem Tony, vem logo! A ponte não vai cair, e de qualquer jeito, a água amortece a queda.

  - NÃO VOU! NÃO VOU NÃO VOU, ME RECUSO A SAIR DAQUI! – Disse ele agarrado com unhas e dentes numa das toras bambas de madeira que seguravam a ponte.

  Tábuas de madeira incompletas e inchadas aterrorizavam o menino. Os buracos que faziam Saphira tropeçar durante a corrida de tempos em tempos, o fazia perder o fôlego; temendo por ela com uma empatia doentia.

  - Phyra, sai daí, por favor.

  Saphira, no entanto, nunca esteve tão feliz. Com um sorriso de ponta a ponta, ela passava as mãos pelas cordas frouxas da ponte, acreditando estar em um cenário tão antigo que Deuses Romanos podiam ter pisado ali.

  - Se você vier, eu te dou um beijo! – Saphira nunca teria dito isso em sã consciência. Mas o cenário era como uma droga para ela. Nada mais era tão ruim, nada mais a assustava. Nada além de perder a chance de convencer Tony a compartilhar do mesmo sentimento naquela ponte.

  Com seu sorriso malicioso e persuasivo, conseguiu derreter o pavor dele, embora a insegurança ainda se mostrasse presente como o sol numa tarde limpa de verão.

  O garoto, então, titubeando em cada um dos passos e entre eles também, seguiu seu caminho por diante da ponte. Não podia evitar olhar para o chão (se é que posso chamar assim). Cada pássaro que via voando por debaixo de seus pés, sobre a água límpida e lustrosa, o fazia tremer mais um pouco. Mas não podia negar: que vista deslumbrante!

  - É, até que... não é tão ruim. – Tony sentiu seu coração apertar de ansiedade, mas surpreendentemente, não de um jeito ruim. Era como as borboletas que visitavam seu estômago sempre que Saphira estava por perto... Mas maiores. Gigantes como gaviões.

  - Tony! Para! Se você só ficar olhando para baixo, aí dá medo mesmo.

  - Mas eu não consigo olhar para outro lugar!!

  - Nem para mim...? Vou reformular minha frase, se você não olhar para outro lugar que não seus pés, o trato vai ser cancelado!

  Tony ergueu o queixo e fitou Saphira no mesmo instante, temeroso de perder sua chance.

  - Pronto! Satisfeita?

  Assim que terminou sua provocação, sentiu os gaviões de dentro encontrarem seu lugar ao céu, e voarem longe a caminho de casa. Ele sentiu repentinamente o deslumbre daquela paisagem que enchia os olhos de admiração e seu coração sussurrava para ele: "Estamos em casa".

  - Woooow!!! – Ele suspirou da maneira mais espontânea possível.

  - NÃO É? – Ainda se via todos os dentes da arcada de Phyra.  E Tony rodou lentamente analisando e catalogando aquela paisagem num arquivo especial, para que não esquecesse nunca.

  As montanhas, apesar de enormes, estavam tão próximas e se encontravam quase do mesmo tamanho dele. Estavam realmente muito alto. Elas eram verdes e bem niveladas. Saudáveis ao ponto de abrigar animais nunca antes vistos, mesmo naquela vegetação baixa. Insetos, roedores e pequenos pássaros eram vistos em toda a volta. Emitiam sons que temperavam a paisagem. E para os ouvidos, eram como música! Logo antes da ponte, tinha uma construção velha e abandonada, que era de onde eles já haviam vasculhado e explorado bem. Mas ao longe, ela parecia diferente. Ornava tanto com tudo, e fez com que ele se sentisse de volta ao passado.

  Era uma era onde não haviam muitas pessoas espalhadas pelo mundo ou ilhas descobertas. Onde os únicos rastros de construção, eram de Deuses Romanos e Gregos, e confundiam a cabeça dos humildes moradores das diversas aldeias da ilha.

  Ou pelo menos foi assim que ele imaginou. Sua cabeça detalhava cada vez mais o devaneio nascido de um pensamento intrusivo, que logo virou seu paraíso. Pássaros e insetos iam no saldar. A brisa, calma mas presente, se mostrava cada vez mais protetora da natureza. E os cheiros puros de tantas folhas, flores e ervas diferentes se misturavam em suas narinas, dançando e rodopiando no ar.

  Fechou os olhos por um momento e imaginou estar voando. Respirou fundo. Expirou com calma e prazer.

  - Ei! Está me ouvindo? Gostou daqui, sim?

  Ele não sabia por quanto tempo tinha ignorado suas palavras. Mas não disse muito mais que um "uhum", e logo voltou para sua catalogação.

  Olhou para baixo novamente, agora sem o medo da primeira vez. Mirou aquele lago que era imenso e profundo, de dar inveja nos oceanos. Era límpido e lustroso, sim. Como já havia avaliado anteriormente. Liso, macio, calmo, eram palavras que vinham à sua mente. Conseguia ver milhares de peixinhos nadando às pressas para o colo da mãe natureza de algum outro lugar. Via também algumas algas maiores e mais escuras, que se encontravam no fundo das águas doces. O lago era translúcido como vidro polido. Naquele momento, ele não teria se importado se a ponte tivesse rompido e o fizesse cair na água cristalina para sentir o gosto na pele daquela maravilha.

  Mais uma vez, respirou fundo; agradecendo para quem quer que esteja lá em cima por aquela visão majestosa. Não existia nada maior, mais poderoso e significativo do que aquilo. Não a paisagem apenas; é claro que o veredito surgiu desta. Mas a natureza em si... Não só àquela, mas a natureza do modo mais amplo possível, era esplêndida. Era forte, delicada e pura. Era o que era, e fazia isso com perfeição. Ela é a majestade do mundo. A realeza dos humanos e a Deusa do universo.

  Tony derramou uma lágrima. Agradecia à mãe natureza por esta experiência e a si mesmo pelos devaneios.

  Quando se deu por si, viu Saphira sentada na grama, na outra ponta da ponte. Seguiu seus passos até sair do piso humilde de madeira e se sentou ao lado dela, que o fitava com olhos admirados e cansados.

  - Obrigado por ter me trazido aqui. – Ele disse. Ela soltou uma risada sussurrada e corou.

  - Você me trouxe aqui, bobo.

  - É, mas você me obrigou a subir nessa ponte da morte. – Brincou ele, mesmo que mentisse sinceramente sobre a experiência. E Phyra sabia que estava mentindo.

  - Vai dizer que chorou de medo lá em cima? – Dessa vez foi ele quem corou.

  - Eu não chorei! Eu só... bocejei lá em cima.

  Nada mais precisava ser dito. Ainda que nada tenha sido, efetivamente. Mas eles sabiam. Phyra sabia o quanto aquilo tinha sido especial para eles. E sabia o quanto desconhecia dos sentimentos de Tony... Embora soubesse que eram sentimentos que transcendiam tempo e espaço. Algo que ela nunca iria entender como ele.

  E eles ficaram ali, sentados lado à lado, admirando a vista pois lá, o tempo era infinito.

Paz derradeiraWhere stories live. Discover now