ausência ─ parte um.

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Eu tô indo trabalhar em Kingston, no Canadá. — as mãos cobriram o rosto mas a animação era evidente.

Natália não esqueceria facilmente o que aquelas palavras causaram. A sensação foi dolorosa, como se o coração tivesse despencado no precipício da decepção. É como se um buraco surgisse bem abaixo do peito, causando uma dormência na região, quase comparada a um vazio. Em poucas palavras, compara-se ao momento em que imaginamos estar caindo; os batimentos aceleram, o corpo treme e o organismo trava por alguns milésimos de segundo.

É fascinante pensar na forma como o corpo humano trabalha; é uma obra de arte surpreendente, onde todo e qualquer sistema é interligado, afetando direta ou indiretamente qualquer outro. Por isso quando recebemos alguma notícia reagimos fisicamente e de diversas formas. O responsável por essas reações é o sistema nervoso simpático, que é, basicamente, um sistema de excitação, que ajusta o organismo para suportar situações de perigo, esforço intenso, stress físico e psíquico. Ele atua em diferentes aparelhos do organismo, incluindo o coração e os intestinos, preparando a pessoa para lutar ou fugir.

Uma parte fundamental é interromper a digestão para que o fluxo sanguíneo e a energia possam ser enviados para os músculos dos membros. Esse efeito súbito se manifestou como náusea, afetando todo o jantar que as duas compartilharam minutos antes. Já a energia de Cardoso sequer chegava as pernas, que ficaram fracas com a revelação.

Oi? — a expressão mudou rapidamente. Estava em choque, meio perdida, completamente frustrada e quase sem fôlego.

É, você é a primeira pessoa que eu queria contar né, te liguei, mas cê não me atendeu. — esclareceu, mas isso não era importante. Por ela não saberia nunca, ou melhor, Carol não iria nunca.

E... cê vai ficar muito tempo lá? É definitivo? — torcia esperançosamente pelo não.

Acho que sim né, alguns anos pelo menos. — Carol notou o olhar e o silêncio da amiga, que baixou a cabeça. Ficou ainda mais preocupada — Cê não vai falar nada?

Não. — sussurrou balançando a cabeça em movimento negativo.

Teria como falar algo? Poderia ajoelhar diante da mulher e pedir que não fosse? Até que ponto isso seria justo? Como disse a Lígia, aquele sentimento era dela e não de Carol, mas machucava não externá-lo. Pesava.

Poxa Natália, — lamentou — não faz assim vai, minha cabeça já tá cheia de dúvida, também não é uma decisão fácil assim, né?

Então pensa melhor. — os olhos marejados indicavam que o rumo da conversa não seria um dos melhores.

Natália...

Eu tô pedindo, fica.

Suplicou, apelando com um truque baixo: usar a si mesma e sua amizade. Se soubesse que isso não funcionaria, não iria colocar-se à prova. Afinal, se Carol não desistiria pela única coisa real que tinham, por que largaria tudo por um amor que sequer tem conhecimento da existência?

Para não fala assim. Poxa, a gente vai continuar amiga, né? E você também não vai ficar sozinha aqui, tem as meninas.

Num ligo pra elas, num preciso delas, eu só preciso de você. — estava começando a ficar desesperada, era evidente pelas respostas imediatas.

Que bobagem, por que cê ta falando isso? — soltou um riso meio contido, timidamente.

Porque... — soprou o ar e puxou-o com força — Porque eu te amo Carol. Será que você nunca percebeu nada? Eu te amo.

Estilhaços de Amor ─ coletânea Narol.Onde histórias criam vida. Descubra agora